sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Então, é sempre Natal! - Oliveira Fidelis Filho

Então, é sempre Natal!
    
Então, é sempre Natal! - Oliveira Fidelis Filho

Então, é sempre Natal!


por Oliveira Fidelis Filho - fidelisf@hotmail.com

"Então, é Natal e o que você fez? O ano termina e nasce outra vez. Então, é Natal a festa cristã do velho e do novo, do amor como um todo. Então, bom Natal pro branco e pro negro, 
amarelo e vermelho pra paz, afinal..." John Lennon e Yoko Ono.
Não é fácil escrever sobre o Natal sem se deixar enredar em obviedades, em frases feitas para 
nos manter prisioneiros da superficialidade. Natal é festa cristã redunda 
John Lennon, entretanto, em meio ao brilho das inúmeras e diferentes comemorações, 
quanto da dimensão Crística pode 
ser garimpado? Ainda que o verdadeiro ouro continue a reluzir, muito pouco do que brilha
é  verdadeiramente Natal. Até porque à medida que somos anestesiados pelo 
"espírito natalino" tornamo-nos também presas fáceis e úteis do "espírito consumista".
Para milhões que se alimentam do "clima de natal", 
as emoções, sentimentos, pensamentos e atos dos quais se abastecem tem pouca duração; 
geralmente, tal energia natalina já se mostra esvaziada no dia seguinte. O que geralmente 
permanece é a ressaca, a sonolência, o sentimento de vazio, de incompletude.
O Natal nos remete ao nascimento de uma criança; uma em especial, aquela na qual 
o Logos Eterno se encarnou e onde à Essência Divina foi facultada plena expansão e 
expressão. 
Em cuja existência a humanidade pode perceber sua razão de ser, seu ideal, seu propósito, seu 
Caminho, sua Verdade, sua Vida.
Ao atentar para as comemorações alusivas ao natal percebo a expectativa, a euforia, as 
incontáveis felicitações; entretanto, o que geralmente permanece é Natal sem nascimento, 
casa e quarto enfeitado mas com o berço vazio, festa de aniversário onde o aniversariante 
é ignorado.
É possível comparar o frenesi natalino a uma falsa gravidez, gestação imaginária sem 
concepção de fato. Vale lembrar que os sintomas de uma gravidez psicológica são similares 
aos de uma gravidez verdadeira; a diferença básica é que a verdadeira tem conteúdo.
Permito-me tal analogia por saber que para muitos o natal é como um nascimento que não 
vinga, uma semente que não germina, um botão que não se abre, uma esperança que não 
se realiza. Verdadeiramente, em incontáveis lares a "criança divina" não nasce. No 
berço dos corações ela, em sua divina expressão, não se encontra. Há arranjos, luzes, presentes, 
euforia, mas falta a Vida. O Natal torna-se assim um elaborado faz de conta, um tempo e 
um espaço onde a Verdade continua com a sua hospedaria ocupada pelo vazio.
Um dos efeitos colaterais deste vazio, de não atentarmos para a necessidade da expansão 
espiritual, de não reconduzirmos o aniversariante ao seu devido lugar, é que a mesa da ceia 
de Natal mantém-se repleta de corações destituídos da Vida. A existência esvaziada da 
presença Crística deixa-nos indefesos diante dos ataques, por vezes letais, que o 
"espírito  de solidão" deflagra e que acentuadamente é percebido no tempo do Natal. Por 
mais que alegria, felicidade e paz sejam palavras de ordem, a solidão, não raras vezes, insiste em 
permanecer e ampliar seu sufocante domínio. Em tais circunstâncias, a angústia pode ser 
também entendida como saudade que a alma sente de Deus.
Outra conseqüência do Natal estruturado "no espírito consumista" que tem na figura do 
Papai Noel seu "garoto propaganda", "padroeiro de honra" do comércio, é que acaba por 
transformar as comemorações alusivas ao nascimento de Jesus em instrumento de 
ganância, injustiça e, conseqüentemente, de tristeza e de revolta. Geralmente, neste 
período o abismo sócio-econômico se escancara ferindo profundamente a alma e a 
dignidade dos nossos irmãos que vivem à margem do universo consumista. Sobretudo, as 
crianças inocentes e carentes que, sem entenderem o que acontece, só lhes resta 
ilusoriamente esperar que da mesa dos "ricos" caiam algumas "migalhas" capazes de mitigar 
sua desesperada fome de amor, de verdade e de justiça.
Por que é, na experiência de muitos, assim? Por que 
tanto cuidado com a aparência e descuido com a 
essência? Por que a menção do sagrado não raras vezes desagrada, constrange e
parece não combinar com o ambiente? Por que precisamos comer e beber de forma 
geralmente desregrada? Por que tantas árvores e luzes artificiais?
Em primeiro lugar, porque quando falta essência, forçoso se faz investir na aparência. 
O Natal que se propõe ser congruente tem a ver com os valores do Reino espiritual, 
como nos ensina São Paulo: "O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, 
e paz, e alegria no Espírito Santo". Portanto, comemora-se verdadeiramente o Natal 
vivendo guiados pela Luz do Amor de Cristo. Tal iluminação precisa manter 
constantemente aceso no coração, sem piscar, o amor, a justiça, a paz e a alegria.
Em segundo lugar, a ausência de Cristo, em muitas comemorações natalinas, deve-se 
ao fato da religião ter transformado o Jesus acolhedor, acessível, que se movia por 
compaixão e misericórdia, e para o qual concorriam as multidões, em um instrumento 
gerador de culpa e julgamento. O Jesus religioso não mais vive entre as pessoas, não 
partilha com elas seus acertos e desencantos, tornou-se prisioneiro dos templos,
serviçal de líderes religiosos e instrumento de ameaça e opressão. Ele não come e 
bebe mais com pecadores e publicanos; passou a ter a sua liberdade definida pela fé institucionalizada. 
Tornou-se propriedade de enfermos que se declaram sãos, de cegos que acreditam 
enxergar. Criou-se assim uma estranha e instransponível muralha entre o sagrado e 
o profano; como em sua época histórica, é o "sagrado" quem mais O profana.
Em terceiro lugar, cede-se aos incoerentes excessos no natal, geralmente por não se 
satisfazer a fome e a sede de individuação, de congruência, de Deus. Tal vazio 
existencial, no entanto, não se preenche com ceia opulenta, luzes artificiais ou barulhos 
excessivos; faz-se necessário esvaziamento e silêncio, meditação e oração para que a 
presença Crística sacie toda fome e dessedente toda sede, alimentando assim com a 
Vida todas as dimensões da vida. Afinal, lembrando o Mestre, "nem só de pão vive o 
homem".
Se o Natal desejado é o do advento de Jesus, necessário se faz o apagar das luzes 
dos artifícios humanos e o esvaziar das crenças e valores religiosos e materialistas. É 
preciso silenciar as vozes que entorpecem o espírito; em humilde quietude, deixar que 
o coração providencie amplo espaço para a alma. Permitir, assim, que Cristo venha cear 
com a gente, mesmo que no dia de natal estejamos ou nos sintamos humanamente 
sozinhos ou optemos pelo jejum.
Natal é humanidade possuída e grávida de divindade, é o Céu morando na Terra, é 
Deus se expressando plenamente no homem. Mais do que um acontecimento, ou uma 
data é uma dimensão, um estado de ser, um existir sob os flocos da Paz, um caminhar 
na claridade da Luz Crística, é ser comandado pelo Amor, é sentir na alma o estouro da 
alegria que nasce na solidariedade, é caminhar movido por bondade e misericórdia, é 
ouvir na alma o coro dos anjos.
Então, é sempre Natal!

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