SEXTA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 2012
Por PAULO COELHO
No meu livro “Veronika decide morrer”, que se passa em um hospital
psiquiátrico, o diretor desenvolve uma tese a respeito de um veneno
indetectável que contamina o organismo com o passar dos anos: o vitríolo.
Assim como a libido – o líquido sexual que o Dr. Freud
reconhecera, mas nenhum laboratório fora jamais capaz de isolar, o vitríolo é
destilado pelos organismos de seres humanos que se encontram em situação de
medo.
A maioria das pessoas afetadas identifica seu sabor, que não é doce nem
salgado, mas amargo – daí as depressões serem profundamente associadas com a palavra
Amargura.
Todos os seres têm Amargura em seu organismo – em maior ou menor grau –
da mesma maneira que quase todos temos o bacilo da tuberculose.
Mas estas duas doenças só atacam quando o paciente acha-se debilitado; no
caso da Amargura, o terreno para o surgimento da doença aparece quando se cria
o medo da chamada “realidade”.
Certas pessoas, no afã de querer construir um mundo onde nenhuma ameaça
externa pudesse penetrar, aumentam exageradamente suas defesas contra o
exterior – gente estranha, novos lugares, experiências diferentes
– e deixam o interior
desguarnecido.
É a partir daí que a Amargura começa a causar danos irreversíveis.
O grande alvo da Amargura (ou
Vitríolo, como preferia o médico do meu livro) é a vontade.
As pessoas atacadas deste mal vão perdendo o desejo de tudo, e em poucos
anos já não conseguem sair de seu mundo – pois gastaram enormes reservas de
energia construindo altas muralhas para que a realidade fosse aquilo que
desejavam que fosse.
Ao evitar o ataque externo, também limitam o crescimento interno.
Continuam indo ao trabalho, vendo televisão, reclamando do trânsito e
tendo filhos, mas tudo isso acontece automaticamente, sem que entendam direito
porque estão se comportando assim – afinal de contas, tudo está sob controle.
O grande problema do envenenamento por Amargura reside no fato de que as
paixões – ódio, amor, desespero, entusiasmo, curiosidade – também não se
manifestam mais.
Depois de algum tempo, já não restava ao amargo qualquer desejo.
Não tinham vontade nem de viver, nem de morrer, este era o problema.
Por isso, para os amargos, os heróis e
os loucos são sempre fascinantes:
eles não têm medo de viver ou morrer.
Tanto os heróis como os loucos são indiferentes diante do perigo, e
seguem adiante apesar de todos dizerem para não fazerem aquilo.
O louco se suicida, o herói se oferece ao martírio em nome de uma causa
– mas ambos morrem, e os amargos
passavam muitas noites e dias comentando o absurdo e a glória dos dois tipos.
É o único momento em que o amargo tem força para galgar sua muralha de
defesa e olhar um pouquinho para fora; mas logo as mãos e os pés cansam, e ele
volta para a vida diária.
O amargo crônico só nota a sua doença uma vez por semana: nas tardes de
domingo.
Ali, como não tem o trabalho ou a rotina para aliviar os sintomas,
percebem que alguma coisa está muito errada.
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