SEGUNDA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2012
Hoje temos um texto muito especial para ilustrar o
nosso assunto,
“autoconhecimento”.
O texto é: Meu Habitante.
O colunista do Jornal da Paraíba, Bráulio Tavares, gentilmente nos
permitiu a publicação do seu artigo aqui no blog.
Bráulio Tavares é escritor, compositor, estudou cinema e é pesquisador de literatura
fantástica.
Escreve uma coluna diária no Jornal da Paraíba e
tem o blog,
http://mundofantasmo.blogspot.com
Nessa excelente matéria, ele aborda com muita arte
e sensibilidade,
um tema que é comum a todos nós, mas que, raramente
alguém consegue expressar com tanta maestria.
A grande maioria inclusive, nunca parou sequer para
pensar no assunto, nunca teve nenhum interesse em olhar para dentro de si
mesmo.
Vivemos em uma cultura que busca tudo fora, perseguindo
um ideal que nunca alcança, justamente por esse motivo.
Tudo está dentro de nós, tanto o mais negro
sofrimento quanto o poder de viver com alegria, abundância, saúde e amor.
No dia em que começarmos a nos observar com mais
atenção, começaremos também a encontrar as respostas e soluções que tanto
buscamos fora.
O primeiro passo para o autoconhecimento é tomar
consciência desse outro ser, que habita em cada um de nós.
Ao mesmo tempo que é parte integrante de nós, esse
ser também é independente e tem vontade própria, o que pode nos causar muitos
embaraços ao longo da vida.
Esse tema é tão antigo quanto o próprio homem.
Apesar das terapias atuais estarem sempre
desenvolvendo novas teorias à respeito, sociedades milenares, como a antiga Filosofia Huna*, no Havaí, através de seus sábios sacerdotes Kahunas,
Já tinham conhecimentos avançados sobre assunto e
aplicavam esses conhecimentos para ajudar na saúde e felicidade do seu povo.
Vamos ao texto de Bráulio Tavares:
MEU HABITANTE
Publicado em 05/09/2012
no Jornal da Paraíba-
Não sei de onde ele
veio nem há quanto tempo me habita.
Está incrustado em
mim de tal maneira que nada me custaria supor que eu e ele somos um só.
Sei que não somos
porque minhas vontades não coincidem com as dele, nem meus impulsos, nem nada
na minha vida.
Vivemos num
permanente desacordo e desencontro, e ainda assim já não imagino como poderia
ser minha existência sem essa presença invisível que desassossega meus
propósitos e enche meus dias de sustos, de revelações.
Há momentos em que
mantenho o controle das pernas que me conduzem pela calçada, mas é ele quem
obriga meus olhos a seguirem uma silhueta feminina que vem e passa.
Há dias chuvosos em
que nada me apetece mais do que ficar encolhido sob os cobertores, na penumbra
do quarto, mas ele me obriga ao banho, ao metrô, à Biblioteca, à descoberta de
livros que nesse dia se tornam um recomeço para minha vida.
Quando penso em
distrair minha madrugada saltando de site em site na web, passeando a mente sem
pensar, ele me faz cortar de brusco a conexão, abrir um arquivo de texto e
produzir algo que me inquieta, me faz derramar lágrimas de que eu não me sabia
possuidor, e deixar cravado ali um episódio obscuro, relatando coisas que não
aconteceram na vida de pessoas que nunca existiram, mas que passam a me servir
de espelho ou mapa.
Ele me contraria e
me inquieta quando tudo que desejo é sossego e paz, e por outro lado é ele quem
me faz desligar a algaravia multicor da TV e me recolher ao quarto, à
escuridão, ao teto onde se entrecruzam reflexos dos faróis lá da rua, numa
música-de-câmara silenciosa.
Não sei por que me
habita.
Para obter o que
certamente procura poderia estar instalado em qualquer outra pessoa; quem sabe
o improvável mérito que enxergou em mim e que o fez preferir meu cérebro e meus
olhos aos das pessoas de minha família, aos dos meus vizinhos do lado.
Percebi sua presença
desde muito cedo, ainda garoto, e é a ele que atribuo grande parte das minhas
contradições de jovem, que hoje na velhice já me parecem tão inevitáveis quanto
possuir um lado direito e um esquerdo. Nunca falei dele a ninguém.
É ele quem lê os
livros e vê os filmes, ele quem escreve e compõe, ele quem faz amor quando
desperto e quem sonha quando adormecido; já eu, penso somente em trabalhar,
pagar as contas, atender os telefonemas, cumprir os compromissos,
obedecer às ordens
mudas das tarefas cotidianas.
Durante muito tempo
eu o desprezei e repeli como se fosse um intruso, um aproveitador; mas chegamos
a bons termos, hoje nos alternamos no controle desta carcaça que envelhece, e
não sabemos ainda qual de nós dois será o primeiro a abandoná-la.
O mais interessante
nessa matéria, do ponto de vista terapêutico é a solução encontrada no final do
texto, em que ele toma a sábia decisão de entrar em acordo com o seu outro eu.
Essa é a única
maneira de assumirmos o controle do ego e encontrarmos a paz.
Enquanto não
fizermos isso, viveremos divididos em permanentes conflitos internos, cheios de
dúvidas, culpas e frustrações de toda a ordem.
*(Para ler mais sobre esse assunto, procurar FILOSOFIA HUNA, no índice
acima).
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