sexta-feira, 8 de março de 2013

DEIXA SAIR: Entrevista na revista Metrópole: Para mim o normal é ter saúde, não plano médico

SEGUNDA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2012
Entrevista na revista Metrópole:
Para mim o normal é ter saúde,
não plano médico
Meditando na Cozinha, nome do curso que proferirá em Campinas (Ísvara) também nomeia uma de suas obras mais bacanas, com crônicas inicialmente publicadas na revista Bons Fluidos (2002)
Fale um pouco sobre a temática do curso
Olhar para si, olhar para o alimento, juntar o de fora com o de dentro, ir um pouco além da comida: o curso “Meditando na cozinha” é mais uma forma de falar sobre alimentação saudável,
dentro de um contexto maior que é a busca do equilíbrio pessoal,
da saúde, da relação com o mundo.
Nossos hábitos diários acabam formando um eixo que nos sustenta,
para bem e para mal, e precisamos estar conscientes disso.
“Cozinhar é meditar”.
Por quê?
Todo exercício de atenção plena pode levar a um estado de relaxamento mental muito próximo da meditação, e a prática vai encurtando a distância.
Preparar e cozinhar alimentos naturais e integrais envolve contemplação, ação, imaginação, contato com água e fogo, controle do tempo.
Não é pouco, mas é simples e fácil.
Só depende da pessoa querer relaxar e se concentrar prazerosamente.
Seu mais recente título é Candidíase, a Praga.
Ele começou a ser escrito depois de uma troca de impressões com seus leitores, no blog?
Como foi esse processo de troca, escrita e pesquisa?
Eu já tinha publicado um capítulo grande sobre candidíase crônica no Só para mulheres, em 95, e não pensava em voltar ao assunto.
Mas também não sabia que ia ter um blog no qual comecei a postar trechos de livros, receitas, crônicas e tal.
Lá pelas tantas postei sobre candidíase e foi um auê.
Perguntas e comentários me levaram a pesquisar de novo,
reafirmando a maior parte do que eu já tinha escrito e introduzindo elementos novos, que valia a pena incluir.
Por essa altura soube pelo jornal que 63% dos atendimentos ambulatoriais do Hospital Pérola Byington, referência em saúde da mulher em São Paulo, eram motivados por candidíase.
“É uma praga”, pensei.
“O pessoal não está entendendo ainda que a coisa é muito mais que um problema genital feminino”
E resolvi escrever o livro, com um passo a passo caprichado e muitas receitas.
No desenrolar dos capítulos enviei os arquivos a algumas leitoras do blog que me pareciam muito interessadas em resolver seus problemas, e elas os devolveram com críticas e sugestões.
Coisas que só a internet permite.
A elas dediquei o trabalho, em nome de todas as outras mulheres que contribuíram sem querer.
Desde quando especializou-se em alimentação saudável, ou alimentação como base da saúde, vem tratando do tema com esmero e abordando doenças – causas e refrigérios (para não dizer “curas”) - a partir de um compêndio de boas fontes.
Certa vez, porém, você disse que era uma cozinheira preguiçosa.
É, ainda?
Bem, procuro não abordar doenças e sim os comportamentos de risco para elas; manter a saúde para não ficar doente.
Mas sou sim uma cozinheira preguiçosa.
Procuro fazer comida da forma mais simples possível, não só porque me encanta o minimalismo mas porque preciso de tempo para muitas outras coisas, como ler, fazer exercícios e contemplar,
além de trabalhar todos os dias.
A comida baseada em vegetais favorece a simplicidade.
E não faço nada que precise de duas etapas.
Por exemplo, cozinho o feijão já com os temperos, não refogo; é menos uma panela para lavar depois, e fica gostoso do mesmo jeito.
Além de escritora e jornalista, podemos dizer que é nutróloga?
Não, porque esse título se aplica ao âmbito acadêmico, e não tenho essa formação.
Sou autodidata.
Você come de tudo?
O que não come de jeito nenhum?
De que “fonte” não bebe?
Não tem nada que eu não coma ou beba de jeito nenhum, mas tenho preferências e cautelas.
Depende do dia, de como estou, do que a situação pede.
Como todo mundo, às vezes pago um preço alto pela gula, ou simplesmente pelo “por que não?” quando vou na onda da hora
 – e depois descubro por que não...
O mundo contemporâneo vive de dieta.
Mas o que deveria se levar em conta antes de uma dieta “x”?
O autoconhecimento, incluindo a avaliação criteriosa das possíveis parasitoses que possam estar atrapalhando o organismo.
Não adianta fazer a dieta errada.
E, claro, é preciso pensar em quantidade e qualidade.
Reduzir um pouco a quantidade e melhorar a qualidade já funciona como dieta.
Gostaria que dissesse dessa paixão pela escrita, que “começou”
(pra valer) quase ao acaso em Campinas, no Diário do Povo... Escrever é fácil?
Escrever é fácil e gostoso.
Todos na minha família liam muito e escreviam cartas, cartões,
lembretes, bilhetes.
Meus pais nasceram em diferentes lugares do mundo e chegaram ao Brasil falando várias línguas e escrevendo o tempo todo para os parentes e amigos. Minhas irmãs mais velhas estudavam no exterior e as cartas também iam e vinham.
Escrever cartas era natural para mim.
E poesia, de que eu gostava muito.
E o apreço pelas HQs, revistas e pelo teatro?
Quando abdicou dessas outras áreas pelas quais era apaixonada para dedicar-se exclusivamente à literatura?
Pensa em roteirizar para teatro, cinema ou TV?
As HQ foram por acaso: Paulo Patarra, grande jornalista que criou várias revistas importantes, estava assumindo a Rio Gráfica, em 1972, e me chamou para coordenar uma das áreas.
Calhou ser a de HQ, onde aprendi muito, me diverti à bessa e conheci desenhistas extraordinários.
O teatro surgiu mais cedo, aos 15 anos.
Fui do TEC, teatro do estudante criado por Paschoal Carlos Magno,
que sem dúvida norteou milhares de jovens pelo Brasil afora.
Também foi por acaso - uma vizinha me chamou para ver um ensaio, faltava uma atriz e eu entrei.
Fiz várias peças.
Gostava muito de sair da minha pele e entrar no personagem.
Quis ser profissional mas me desaconselharam devido ao tipo físico, que me limitaria a pequenos papéis.
Nesse meio tempo comecei a trabalhar em jornal.
Não tenho vontade de fazer teatro, cinema e tv.
Gosto de escrever, mais que tudo.
Se fosse me dedicar a outro tipo de produção criativa, seria em música.
Sobre a questão da linguagem.
Seus textos são bastante diretos, coloquiais, metafóricos e ricos em exemplos/situações cotidianas.
Boas histórias entremeadas por informação.
Essa é uma boa definição?
Gosto de pensar que são informação entremeada por boas histórias ;-)
Porque há um objetivo nos textos, que é passar aquela informação.
Sou jornalista voltada para promoção da saúde.
Um texto gostoso vende melhor seu conteúdo, né?
Quando os leitores e/ ou a crítica “enlata” suas obras e as dispõe na sessão de auto-ajuda...
Isso a incomoda?
Que ponderação faz acerca dos livros de auto-ajuda?
Ué, meus livros estão na seção de auto-ajuda?
Não sabia.
Geralmente os vejo em culinária, ou, como na Livraria Travessa de Ipanema, têm uma mesinha só deles.
Mas não me incomoda estar na auto-ajuda.
Os propósitos são os mesmos: ajudar a pessoa a se administrar melhor.
Você já escreveu só para mulheres, traçou auto(gato)biografia,
disse dos malefícios do açúcar.
Sobre o que jamais escreveria e sobre o que gostaria muitíssimo de escrever em breve?
Não ando pensando tanto em escrever ou não, mas em como fazê-lo para as novas mídias.
Adoro ler jornal e revistas no iPad, por exemplo, e estou lendo um livro sobre fungos no Kindle.
Observo o crescimento das redes sociais.
Namorar essas novas formas de apresentar a informação tem sido meu passatempo predileto, com a desculpa de que estou trabalhando...
Em que momento decidiu criar a Correcotia?
O que a editora anda aprontando, hoje?
A Correcotia existe desde 1985, juridicamente e como selo editorial, mas só virou editora mesmo em 1996, depois do lançamento do livro Só para mulheres.
Que vendeu muito e me obrigou a legalizar a produção toda.
É a editora de todos os meus livros, além de prestar serviços como palestras, cursos e produção de conteúdo.
Isso envolve lidar com papel, gráfica, orçamentos, estoque, notas fiscais, capital de giro, contador...
É meu lado oculto: empresária.
Atualmente, vive-se um boom gastronômico óbvio nessas nossas bandas tupiniquins.
Os chefs voltaram a exaltar a comida que conforta, àquela que remete às memórias familiares; a cultuar a refeição em turnos (entrada, prato principal, sobremesa) e a brigar pelos produtos certificados (ode aos produtores locais).
Concorda com essa impressão?
Acha que esse é um bom caminho?
Quem tem feito uma boa gastronomia (no sentido da gastronomia saudável) pensando-se em chefs/ cozinheiros?
Puxa, desculpe, não acompanho as tendências gastronômicas.
Prefiro comer de maneira simples.
Gosto do que é mais tradicional e menos inventivo.
Não me chame para comer feijoada em forma de canapé, que eu não vou nem pago a conta.
Não gosto de gastar dinheiro em restaurantes – aliás, sair para comer, pra mim, não é programa, é necessidade.
Mas vou achar legal se os restaurantes adotarem uma comida melhor, com menos tranqueira engordurada e mais vegetais.
Em seu blog você chamou a atenção para o PL 7.703/2006,
conhecido como Ato Médico, em votação no Senado. Grosso modo,
esse PL, em pauta e discussão (tramitação) desde 2002, prevê a “delimitação legal” do campo de atuação dos médicos e cerceia o campo de atuação de outros profissionais.
Comente esse PL – o que é válido, o que é questionável e o que é absurdo?
A OMS define os cuidados básicos de saúde em 4 passos:
1) promoção da saúde, a cargo do indivíduo e da comunidade;
2) prevenção das doenças, onde entram os controles sanitários, o tratamento da água, o combate aos mosquitos, a higiene doméstica etc;
3) cura
e
4) reabilitação. Há muitos caminhos para não chegar na doença,
isto é, no passo 3.
O que está errado nesse projeto de lei é a pretensão de dar todo o poder de decisão sobre cuidados de saúde a uma medicina cara, de resultados muitas vezes duvidosos, que se baseia em princípios secretos de diagnóstico e tratamento, alienando o cliente do juízo sobre seu próprio ser.
E alienando o Estado junto.
Você acredita que a ramificação/ especializações da medicina terminaram por minar a saúde?
Ainda acredita na medicina convencional?
Por quê?
A medicina convencional é útil em muitas circunstâncias, mas não devia dispensar nunca o clínico geral que trabalhasse pela saúde do cliente, em vez de apenas tratar doenças e distúrbios do paciente.
Um bom médico não deveria ter pacientes, e sim clientes saudáveis.
Eu vou a uma médica homeopata de dois em dois meses.
Ela me ajuda a ter saúde.
Levo uma turminha que trabalha comigo e ela os mantém saudáveis também.
A especialização trouxe um problema muito grave de escolhas equivocadas por parte do cliente, que pega o livrinho do plano médico, acha que tem um problema de coração e vai ao cardiologista; faz exames, volta à consulta; e às vezes o que ele tem são gases, que dóem no peito, do lado esquerdo, por isso pensou em coração.
O bom especialista deveria ser, ao mesmo tempo, um generalista.
Não dá para falar de coração sem pensar em fígado, estômago,
intestino, puilmão, rim.
O corpo é um só, e inclui a mente.
Tudo funciona junto.
Crianças que têm convulsões ou falta de concentração podem simplesmente ter lombrigas e outros bichos, que dão muitos sintomas psíquicos, respiratórios, de pele, e acabam sendo tratadas como se fosse outra coisa, complicada e misteriosa.
Sabemos que pensa que saúde não é competência do Estado. Comente e pondere: o que deveria realmente ser?
É da competência do Estado observar, analisar e atender às necessidades do povo, exercendo seu poder de justiça, administração, mediação.
O Programa de Saúde da Família é maravilhoso no papel,
revolucionário mesmo.
Mas a prática do Estado não tem a pureza necessária para que ele funcione como deveria.
Sem corrupção, sem lobby, o Brasil poderia gastar muito menos com a saúde e obter resultados muito melhores.
Para mim é óbvio que os recursos são mal investidos.
Máquinas modernas de diagnóstico custam fortunas enquanto simples exames de fezes geralmente não dão nada porque não interessam aos mandatários do negócio, que mediocrizaram a norma técnica.
Uma amebíase que não é vista degenera em câncer, e aí sim, o câncer se sabe ver.
Acho um absurdo, um desrespeito e uma desvirtuação do princípio médico.
Coloco o meu questionamento com foco nas parasitoses porque a parasitologia é uma ciência médica desprezada pela medicina por interesses espúrios, e o Estado vai atrás, é refém.
Por isso digo que o Estado é incompetente para cuidar da saúde do povo.
Achar que parasitoses são irrelevantes é uma irresponsabilidade imensa, é gastar os recursos de forma errada e submeter os pacientes a sofrimentos desnecessários.
A saúde é “subversiva” porque não enriquece o outro
(não favorece a indústria, nem o governo, nem o sistema)?
Sou contra a medicalização da saúde, onde o normal é ter plano médico-hospitalar.
Pra mim o normal é ter saúde e não precisar fazer tantos exames e tomar tantos remédios.
Mas aí a pessoa saudável cessa de contribuir para o esquemão, e isso é uma clara subversão da ordem!
A medicina popular é tão preciosa ou mais que a acadêmica?
Por quê?
A medicina acadêmica se transformou, ao longo do último século,
num poderoso negócio sob o grande guarda-chuva da indústria farmacêutica, hospitalar e diagnóstica.
O que corre em paralelo são as formas tradicionais de abordagem da saúde, que vão desde a benzedeira até o acupunturista,
passando pelo passe do centro espírita, pela loja de produtos naturais, pela fitoterapia, pelos cuidados caseiros com alimentação e higiene.
A medicina tradicional chinesa tem uma história milenar, assim como a ayurveda.
Ambas procuram harmonizar o indivíduo, enquanto a medicina convencional, como já mencionei, espera que ele fique doente.
E, com a má qualidade de vida que podemos ter atualmente, quem não souber pensar por si acaba mesmo envolvido na fatalidade de adoecer.
Qual é o melhor remédio para “as dores” do mundo?
Ah, se eu soubesse...
.................................. 
(Íntegra da entrevista a Érica Nogueira para a Revista Metrópole,
do Correio Popular, de Campinas, SP, publicada em março de 2012.
Valeu, Érica - obrigada pelas ótimas perguntas!)

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