sexta-feira, 9
de março de 1990
Parte II
09/03/1990
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Aeroporto de Guarulhos, SP
Andando pelo saguão em direção à área de embarque internacional,
procurava ver se avistava o pessoal da agência de viagens.
Combinaram o encontro em frente da alfândega.
Os clientes desta empresa seriam identificados pela logomarca presa
em suas bagagens.
Enquanto caminhava empurrando o meu carrinho, observava o meu
cunhado que veio comigo de Brasília, apenas para confirmar se eu embarcaria
mesmo para o Japão
- Olha, se você quiser voltar daqui
não tem problema, o pessoal já está ali adiante.
Eu posso me virar sozinho agora! –
disse para ele, desejando que concordasse com a minha proposta
- Tá louco cara - disse ele - sua mãe me mandou aqui para colocar
você lá dentro! – e apontou para a alfândega.
– E só vou depois que você atravessar aquele portão! – e deu uma
risada para mim
Sem graça, abaixei a cabeça e
continuei em direção ao grupo que estava reunido em volta de um homem que
parecia ser o da agência que me enviaria para o outro lado do planeta.
Olhei para o relógio do corredor e já
passavam das 23 horas.
O vôo seria após à meia noite.
Devia ter chegado a São Paulo por volta das 19 horas, mas a falta
de aviões para fazer esta ponte aérea atrasou a minha saída.
Só conseguimos embarcar num avião porque literalmente invadimos
junto com outros passageiros, quando estava estacionado na pista do aeroporto.
A confusão foi séria saindo até brigas.
No fundo eu me sentia contrariado com esta viagem sem saber o
motivo.
Apenas sentia.
- Você é o Ernesto? – perguntou o homem sorrindo, vestido de um terno azul marinho
escuro, enquanto conferia o meu sobrenome na lista dele
Era um grupo de apenas umas seis pessoas que ia viajar por essa
agência,
uma dessas conseguira a vaga porque tinha havido uma desistência lá
em Brasília.
No meu caso, estava embarcando hoje por causa do cancelamento de
uma passagem também.
A minha viagem para o Japão estava marcada para o dia 24, daqui a
duas semanas.
Como tinha que ir mesmo, eu aceitei antecipar quando me ligaram da
agência
Confirmada a presença de todos
seguimos logo para fazer o check-in e despachar as bagagens.
Perguntado se eu fumava, afirmei que
sim.
Colocaram-me na ala de fumantes.
Pouco depois, estávamos a caminho do “matadouro”.
Era essa a minha sensação.
Como se estivesse indo para o abate.
Ao me aproximar do balcão da
alfândega, senti um pequeno mal estar.
Queria desistir.
Virei para trás e vi o meu cunhado e,
ele com os gestos de sua mão, dizia para seguir em frente.
Resignado entrei na fila
- Senhor Ernesto?
– Perguntou o
policial olhando bem nos meus olhos, enquanto segurava o meu passaporte aberto
- Sim, sou eu. – afirmei.
- O senhor está indo trabalhar no Japão?
– A pergunta foi seca e
firme, mas percebi os olhos de dois agentes fixados nos meus
Nos últimos meses a notícia de que os brasileiros estavam sendo
aliciados para irem trabalhar no Japão, através de empresas controladas pela
máfia japonesa, alertou o governo e a polícia federal estava coibindo essas
viagens, impedindo o embarque dos descendentes nipônicos, sempre que conseguiam
comprovar este objetivo através de acareações diretas.
Qualquer nervosismo ou resposta vacilante que levantassem
suspeitas, o passageiro era imediatamente retirado da fila e ia para uma sala
atrás da alfândega, ficando impedido de viajar.
Por causa disso, fomos orientados e treinados pela agência a negar
firmemente a intenção real da viagem e dizer que estávamos indo visitar
parentes.
No meu caso era facilmente simples de
comprovar que estava indo para o Japão visitar o meu pai.
Bastava apresentar a carta dele me
convidando para ir lá e ficar um tempo com ele.
As passagens de ida e volta
assegurava este objetivo.
E foi o que tive que fazer.
Naqueles instantes eu só não desisti
de ir, porque ao pegar nas passagens eu vi o valor que tinha que pagar por esta
viagem.
Se desistisse, alguém da família
teria que arcar com as dívidas, acarretando uma situação constrangedora da qual
eu nem queria pensar.
Como a viagem estava combinada com o
meu pai, então devia honrar a minha palavra.
Quando fui liberado pela alfândega,
segui para o portão de embarque do meu vôo.
- Meu Deus, por que tudo tem que ser
assim?
– perguntava lastimando,
olhando para o longo corredor que parecia não ter fim, repleto de passageiros
que andavam alegremente, conversando sobre seus planos e sonhos que queriam
realizar no Japão e, de como iam sentir saudades do Brasil e da família que
ficariam anos sem ver.
Ouvindo essas palavras, sentia o meu coração sangrar.
A dor que carregava no meu peito dilacerava o meu coração.
Sentia-me sozinho agora.
Lembrava-me dos últimos momentos lá no aeroporto de Brasília
Minha mãe sentada tentando controlar
tudo em volta, enquanto as crianças corriam de um lado para o outro.
Enquanto esses pequenos anjos
gritavam e riam, em suas inocências, não tinham a mínima ideia do que estava
acontecendo comigo.
Aos poucos, meus irmãos, a cunhada,
os cunhados e os sobrinhos chegavam e iam se reunindo em volta da minha mãe.
A preocupação dela como sempre era de
que todos estivessem presentes,
perguntando sempre quem estava
faltando.
Pedia para uns irem buscar alguma
coisa para todos lancharem, enquanto soltava broncas nas criançadas.
Nesse meio tempo a minha cunhada chegou perto de mim, e me entregou
um pacote dentro de um saco branco de plástico, para levar na bagagem de mão,
dizendo que continha umas revistas para entregar a um amigo da nossa família,
que estava trabalhando no Japão.
Estava muito bem amarrado, por isso nem tentei abrir para olhar o
conteúdo e pus dentro da minha sacola de viagem
Ver toda a família ali reunida,
aguardando a minha partida, era comovente.
Já antecipava a imensa saudade que ia
sentir de todos que teria que deixar.
A agitação em volta, às vezes me
deixava um pouco tonto, porque na verdade, estava apavorado com a viagem.
Olhando para a minha mãe conversando
com os meus irmãos, percebia a preocupação dela, ao olhar para mim enquanto
falava com eles.
Todos sem exceção agiam de forma que
pudesse evitar uma confusão entre eu e a minha ex-mulher, que prometera
bagunçar a minha viagem, promovendo um escândalo lá dentro do saguão do
aeroporto.
A vigilância da família em minha
volta estava cerrada.
Devido ao atraso de mais de duas horas do voo que me levaria para
São Paulo, a minha mãe ficou mais preocupada e chamou o meu cunhado para um
canto do saguão e ficou um bom tempo conversando com ele.
Depois, junto com o meu irmão foram para um guichê e voltaram com
uma passagem dizendo que o meu cunhado ia junto comigo até o aeroporto de
Guarulhos.
Olhei para minha mãe, questionando esta atitude dela e a resposta
que obtive foi a de que ela sabia o que estava fazendo e que seria melhor
assim.
Era para ela ficar tranquila sabendo que eu ia mesmo embarcar para
o Japão.
A voz feminina no alto falante, que
convocava os passageiros, indicando a última chamada para a apresentação de
cartões para o embarque imediato,
trouxe-me de volta para o lugar onde
estava.
Olho para o painel de controle diante de mim e procuro identificar
a confirmação da decolagem do meu voo.
O da JAL 063 seria a próxima chamada.
Anotei mentalmente o número do portão de embarque e ao olhar o que
estava à minha frente, vi que era por onde eu ia embarcar.
Instintivamente, olhei através da imensa vidraça em que dava para a
pista e, deparei-me com um enorme monstro branco olhando para mim.
Senti a minha espinha gelar de cima para baixo.
Um suor começou a jorrar pelos poros, quando comecei a entrar em
pânico.
Eu tinha medo de alturas.
Aquele Boeing 747 da JAL parecia mais
um prédio de dez andares.
- Meu Deus! – disparei
–
Será que este troço vai voar?!
Em pé, diante daquela imponência da
engenharia aeronáutica, eu me sentia frágil e indefeso como um mosquito.
Não conseguia acreditar que aquele monte
de alumínio e aço, de uns 20 metros de altura, com mais de 70 metros de
comprimento e quase 65 metros de envergadura, transportando cerca 400
passageiros e levando um peso de 400 toneladas, não sinceramente, não dava para
acreditar que aquele Jumbo pudesse voar.
Muito menos decolar.
Voltei para a poltrona onde estava sentado e fiquei preocupado.
Agora, não era mais o medo das alturas e nem se aquele elefante
branco fosse voar.
Havia em mim um sentimento de percepção das coisas que iam ocorrer
e elas aconteciam com tanta frequência na minha vida, que nunca duvidei da
existência deste “dom”.
A consciência disto evitou-me muitos aborrecimentos e tragédias.
O que eu estava vendo naquele momento causou-se uma sensação
aterradora.
Eu me via indo para o Japão e não conseguia ver o meu retorno.
A minha facilidade de ver o futuro abrangia um raio de alcance que
atingia até duas décadas à minha frente.
Neste caso, da minha viagem, eu não conseguia enxergar o ano de
1991.
Era um quadro invisível.
Isso significava para mim, que eu não retornaria com vida desta
viagem.
Foi esta visão que tive enquanto olhava o avião.
A pergunta então era essa:
- “Será que este avião
vai chegar ao Japão?”
Paz
Shima
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