quarta-feira, 7
de fevereiro de 1990
Parte III
07/02/1990
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A Decisão de Viajar
Olho mais uma vez pela janela do avião.
A cidade vai desaparecendo por entre as nuvens.
Apenas as luzes ficam piscando lá embaixo enquanto o avião ganha
altitude.
Ao fazer a curva para pegar a rota de
São Paulo, observo a cidade onde vivi meus últimos 30 anos.
Pouco a pouco a minha visão vai sendo encoberta pela escuridão da
noite.
Respiro fundo e acendo um cigarro.
Enquanto a fumaça vai se dissolvendo
diante dos meus olhos, os meus pensamentos viajam no tempo e aterrissam no
quarto da minha mãe.
- Meu filho, você vai ter que ir para o Japão!
A voz dela soava tranquila e serena.
Ela sabia o que me pedia e a dor que isto me causaria.
E tentou me convencer.
- Filho, é melhor para você.
Aqui você está sofrendo muito.
Lá, vai ter paz, vai ter sossego!
- Por que eu?! – disse quase
assustado
- Eu não quero ir!
- Vá, meu filho, lá você conseguirá
refazer a tua vida!
- Mãe – já desesperado
–
E os meus filhos?!
Como vou viver sem eles?!
O que será dessas crianças!
Das minhas crianças?!
- Não se preocupe, nós vamos cuidar delas!
- Não sei não!
Nunca passei um dia sem elas, e essas
crianças são a minha vida!
São tudo para mim!
Nem quero pensar!
As recordações pipocavam como flashes
na minha mente.
Cada momento vivido com carinho.
Com amor!
Aquelas crianças - um filho e três filhas - todos pequenos.
Uma longa história cheia de dramas,
mas uma vida repleta de alegrias!
O fato de ter que deixar os meus pequenos tesouros, já era um
martírio. Ficar longe deles do outro lado do planeta, impossibilitaria de estar
por perto em qualquer necessidade.
Só este pensamento, já me arrasava!
- Não mãe!
Não vou não.
Está resolvido – falei firme olhando nos olhos dela – não vou
deixar meus filhos, porque agora sou eu que não vou suportar a ausência deles.
Vamos encontrar outro jeito de resolver isto!
Ela me olhou de forma estranha, vendo
que não conseguiria me convencer a viajar.
Estava resoluto e não aceitaria que me separassem dos meus filhos.
Então, começou a criar uma nova situação para me pressionar a mudar
de ideia, argumentando uma série de constrangimentos que a família teria que
passar se eu não fosse para o Japão.
- O teu pai está doente lá e não
podemos pedir para algum parente ir buscá-lo, sabendo que temos uma família
grande aqui em Brasília.
– disse ela
–
O que vão pensar de nós?
- Então me diga, por que eu?!
Porque não, outra pessoa?
– perguntei já ficando
nervoso.
- Porque você é o “chonan”.
E cabe a você ir lá, representando a
nossa família!
– respondeu secamente.
- E se eu não for?
– comecei a me irritar.
- Todas as famílias japonesas estão
mandando alguém para o Japão.
– justificou
-
E sabe o que dizem?
Sabe o que estão falando em todos os
lugares?
– perguntou de forma
fulminante.
- Não. Não sei.
– E nem queria saber.
Já imaginava o que ela estava
pensando.
- Todos falam que se alguém não quer ir para o Japão é porque está
doente ou é vagabundo!
– e a voz soou como uma provocação
- Olha mãe – argumentei – eu tenho as minhas empresas aqui.
E, eu ganho dez vezes mais do que vou receber lá no Japão,
trabalhando em fábrica.
- Mas você agora tem problemas, sabe
disso, porque ela vai destruir tudo o que você tem!
– rebateu a minha mãe
- Quanto a isso eu sei como resolver.
É o que mais venho fazendo nos
últimos anos, e ainda estou de pé.
– respondi.
- Tudo bem.
Agora, onde é que você vai morar?
Aqui você não pode ficar.
Tem que arrumar outro lugar, porque
ela está fazendo muito escândalo e envergonhando a nossa família.
– questionou.
- Mesmo que eu tenha sido roubado,
vou conseguir arrumar dinheiro para alugar um quarto.
Então eu saio daqui.
Vou para um lugar mais longe, onde ela não possa me encontrar.
– disse meio desapontado com
o rumo da conversa.
- Já conversei com seus irmãos e eles
disseram para você não se preocupar que todos vão cuidar dos seus filhos.
– disse tentando forçar mais
a barra.
- E por que não um deles?
– disparei essa para ela.
- Por que todos estão trabalhando e é serviço público.
Não podem sair desses empregos!
– disse firme a minha mãe.
- E eu posso largar minhas empresas sem mais, nem menos.
É isso o que está me dizendo?
– fuzilei.
- Sim.
É isso.
Você vai ter que ir!
Se alguma coisa acontecer com teu
pai, a família não vai te perdoar.
– sentenciou ela.
- Então é sempre assim?
Esqueceu o que me fizeram para que
assumisse a falência da fábrica do pai?
– disse revoltado.
Ela não me respondeu.
Percebi naquele momento que tudo o
que fizesse para não ir ao Japão, seria muito danoso para mim.
Não tinha como justificar uma atitude que contrariasse a vontade
dela.
Ela já tinha decidido e tudo devia seguir como ela queria.
A minha vida realmente não valia um
tostão furado, eu era a ovelha negra da família.
Era esse o sentimento que sempre carreguei desde a minha infância.
Depois disso, fui para o meu quarto e comecei a separar as coisas
que teria que levar na viagem.
Paz
Shima
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