segunda-feira, 8 de abril de 2013

Uma Peregrinação na Terra do Sol Nascente - Parte VI - 13/03/1990

terça-feira, 13 de março de 1990
Uma Peregrinação na Terra do Sol Nascente
Parte VI
13/03/1990
Pegando no trampo
Levantei-me às 6:30h da manhã bastante confuso para começar a trabalhar aqui no Japão.
Apesar de sentir o meu corpo fora de órbita, devido ao fuso horário, procurei manter firme na minha mente o propósito da viagem.
Não haveria um tempo para a readaptação no país.
Tudo teria de ser feito de acordo com as circunstâncias do momento.
Tomei o café da manhã com o meu pai – pão de forma com manteiga e café - e, antes de seguir para a fábrica despedi-me dele acertando os detalhes de como fazer a comunicação entre nós.
Cada um ficou com o endereço e o número do telefone do outro.
Às 7:10h pegava a minha “magrela preta” e me unia ao grupo de colegas que ia junto para a fábrica.
O rapaz que morava no mesmo alojamento, trabalhava há quase um ano nesta empresa e nos mostraria o caminho até lá.
Deixei os dois irem à frente e os segui para observar melhor os pontos de referências que ia criando ao longo do trajeto.
Quando o rapaz virou à direita entre uma fileira de casas eu já tinha contado aquela rua como a terceira ao longo da avenida em que morávamos.
Ela fazia um “L” no final à esquerda e cerca de uns 80 metros depois, dobrávamos novamente à direita subindo uma pequena elevação onde tinha uma ponte que cruzava um canal – o Hoshikawa -, para logo em seguida virar à direita e seguir o curso deste córrego.
Sei apenas que cruzamos duas grandes avenidas e um semáforo, antes de chegar até a fábrica.
Foram gastos menos de quinze minutos neste percurso.
Guardamos as bicicletas num pequeno abrigo do outro lado da rua, onde ficava o depósito da empresa.
Entramos no escritório fazendo a saudação tradicional da manhã e fomos “bater o ponto”.
Já sabia como fazer, porque isto foi explicado no dia anterior.
Ao chegar teria que ir até o quadro na parede e virar a plaqueta com o meu nome.
Ela ficava virada na cor vermelha, que significava a ausência do funcionário na empresa.
A conferência era feita pela leitura dos nomes.
No final do expediente antes de ir embora, teria que virar a plaqueta e deixá-la no vermelho novamente.
Seguimos dali para o galpão, atravessando o grande portão.
Do lado direito encostado na parede havia uma fileira de bancos com cinzeiros e um grande aquecedor.
Era o local de “kyuukei” (descanso), onde poderíamos ficar até começar o expediente.
Fomos apresentados aos colegas que estavam sentados e nos acomodamos nos bancos vazios.
Como o tempo estava gelado, procurei ficar o mais perto possível daquela “lareira”, que achei incrível.
Aí, lembrei que em Brasília, não teria a necessidade disto, e ri comigo mesmo.
Aqui no Japão ainda era inverno e ventava muito, mesmo sendo o final de estação.
“Sofri” muito no trajeto do alojamento até a fábrica.
Acendi um cigarro enquanto recebia de presente uma latinha de café quentinho, saído da máquina que ficava bem na entrada.
De gosto estranho, mas uma maravilha naquela hora.
Vinte minutos depois toca uma sirene.
- Vamos lá, é hora do “taisô”!, - me chama o rapaz que mora no nosso alojamento
- O que é taisô? – perguntei
- É a ginástica que fazemos todas as manhãs.
Dura apenas cinco minutos e depois começa a reunião que é feita antes do expediente.
Vai ver! – respondeu.
- Tá! – E lá fui eu balançar o meu esqueleto
Na reunião matinal, após a saudação geral, fomos chamados e apresentados para todos os funcionários.
A frase “yoroshiku onegai shimasu!”, mesmo com uma péssima pronúncia – estava bem nervoso – foi uma das primeiras que aprendi em japonês.
Eu disse o meu nome e em seguida esta frase que tinha o sentido de expressar a minha gratidão e os meus préstimos à empresa e ao grupo de funcionários.
O que mais me chamou a atenção neste primeiro contato de trabalho, era a forma e o conteúdo como eram conduzidos esta reunião.
A hierarquia predominava e as fileiras seguiam uma sequência dos mais veteranos aos mais novos.
Havia respeito mútuo e um sentimento de servir à empresa em todos os sentidos.
Os relatórios do dia anterior mencionavam a produção, as metas alcançadas, os problemas surgidos e detalhes interessantes.
Todos os envolvidos manifestavam-se.
Em seguida apresentava-se a meta do dia e as correções que deviam ser feitas.
Uma coisa ficou bem gravada na minha mente: o quadro daquele encontro matinal lembrava-me muito a minha época, quando servi no quartel lá em Brasília.
Assim que terminou a reunião o meu chefe (hanchô), me conduz até o meu setor de trabalho.
Ia ficar na terceira cabine de soldas com robô.
Vesti o avental de tecido parecido com jeans, coloquei dois pares de luvas, e me posicionei diante da mesa dividida em duas fases de produção.
Fiquei atento às instruções do “hanchô”, principalmente quando ele me ensinou como apertar aquele botão vermelho.
Ao ver aquele robô laranja se movimentando com o seu braço naquela velocidade e de um lado para outro, para cima e para baixo, fiquei preocupado com a minha cabeça no meio do caminho.
O botão vermelho era para dar “stop” e parar o robô.
Os dois botões verdes, um de cada lado da mesa, era para dar o “start” e soltar o bicho de mais de três metros com o braço esticado.
As peças que são soldadas do tamanho da palma da minha mão eram colocadas em moldes à minha esquerda e outra à minha direita.
Após encaixá-las, prendia-as com os grampos em forma de duas pequenas alavancas que travavam as peças no lugar.
Depois era soltar o monstro acionando o botão verde e pronto.
Na sequência, enquanto o robô soldava uma peça eu trocava a peça pronta no outro molde e a colocava numa caixa atrás de mim.
O tempo da manobra de cada peça era de apenas trinta segundos.
No meu caso, essas peças eram suportes para prender o escapamento na carroceria do veículo.
O meu primeiro dia foi extremamente cansativo, porque além do ritmo puxado para um novato, o trabalho era feito em pé.
Mesmo que a cada duas horas havia um “kyuukei” de dez minutos, ainda assim, o meu corpo ressentiu muito,
principalmente porque havia de fazer mais duas horas extras (zangyô).
A meta do meu robô era a produção de 1.200 peças diárias.
Fiquei mais preocupado ainda na hora do almoço quando abri o meu “bentô” (marmita), fornecida pela empresa, e vendo o seu conteúdo levei um susto com um pedaço de polvo, cuja ponta do tentáculo parecia uma pequena lagarta vermelha.
Como nunca tinha comido um e cozinhado daquele jeito,
fiquei com uma péssima impressão que só consegui comer o “gohan” (arroz).
À tarde o meu estômago roncava mais que o motor da “Poderosa” (apelido que dei para o meu robô).
Quando eu retornei ao alojamento, já passavam das sete e meia da noite.
Não sei como consegui pedalar no trajeto de volta, estava morto de cansado e nem senti o vento gelado bater no meu rosto.
Estava mais moído do que qualquer outra coisa, trazendo na pele as marcas do primeiro dia de combate.
Estava todo queimado no rosto, nos braços e nas mãos.
As fagulhas incandescentes deixaram furos negros nas mangas do meu uniforme, que também perdera a brancura inicial, parecendo mais um saco de pano cheio de fuligem,
manchado de óleo e graxa.
Assim que entramos na sala, sentamos em volta da mesinha sobre o tatame (piso em módulos feitos de palha de arroz), começamos a conversar sobre o trabalho no Japão.
Esticamos as pernas por baixo da mesa porque havia sob o tampo dela um “kotatsu” (aquecedor elétrico) embutido.
Aproveitamos a oportunidade para criarmos a nossa regra de convivência, discutindo os pontos importantes de como manter o alojamento limpo, agradável e funcional.
A questão do horário de dormir, o silêncio, apagar e acender a luz, o respeito mútuo entre nós e das nossas diferenças seriam temas constantes em nossas conversas,
já que éramos apenas três pessoas vivendo no mesmo alojamento e, quem e o que fazer na hora da refeição e como utilizar o “ofurô” (banheira).
Fiquei escalado para lavar as louças, já que não sabia cozinhar.
Quanto ao banho, haveria rodízio.
O primeiro sempre lavava e enchia a banheira de água quente.
Somente o último tinha o direito de fazer a imersão no “ofurô”.
Os outros tomavam banho de caneca, porque não tínhamos chuveiro ali naquela casa.
Paz
Shima

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