Aula no
ensino fundamental: professores com autonomia
Olivier
Morin/AFP
Quem entra numa escola na Finlândia se espanta com a
simplicidade das instalações.
Era de esperar que o sistema educacional considerado o melhor do
mundo surpreendesse também pela exuberância do equipamento didático.
Na verdade, na escola Meilahden Yläaste, em Helsinque, igual
a centenas de outras do país, as salas de aula são convencionais, com
quadro-negro e, às vezes, um par de computadores.
Apesar do despojamento, as escolas finlandesas lideram o ranking
do Pisa, a mais abrangente avaliação internacional de educação, feita pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O último teste, em 2006, foi aplicado em 400 000 alunos de 57
países.
O Brasil disputa as últimas posições com países como Tunísia e
Indonésia.
O segredo da boa educação finlandesa realmente não está na
parafernália tecnológica, mas numa aposta nas duas bases de qualquer sistema educacional.
A primeira é o currículo amplo, que inclui o ensino de
música, arte e pelo menos duas línguas estrangeiras.
A segunda é a formação de professores.
O
título de mestrado é exigido até para os educadores do ensino básico
Sari Gustafsson/Lehtikuva
Eeva-Maria em aula de música
Dar ênfase à qualidade dos professores foi um dos primeiros
passos da reforma educacional que o país implementou a partir dos anos 70, e é
nesse quesito que a Finlândia mais tem a ensinar ao Brasil.
Quarenta anos atrás, metade da população finlandesa vivia na
zona rural.
A economia era dependente das flutuações do preço da madeira, já
que 55% das exportações vinham da indústria florestal.
Além dos bosques que cobrem 75% do território, o país só tinha a
oferecer sua mão-de-obra barata.
Os finlandeses emigravam em massa para vizinhos ricos, como a
Suécia, em busca de melhores condições de vida.
Preocupados com a má qualidade das escolas públicas, os pais
estavam transferindo os filhos para instituições privadas de ensino.
Em alguns desses aspectos, a Finlândia se parecia com o Brasil.
A reforma educacional colocou a qualificação dos professores a
cargo das universidades, com duração de cinco anos.
Hoje, a profissão é disputadíssima (só 10%
dos candidatos são aprovados) e usufrui grande prestígio social (é a carreira
mais desejada pelos estudantes do ensino médio)
O segundo passo da reforma, em 1985, foi
descentralizar o sistema de ensino.
Por esse conceito, o professor é o principal responsável pelo
desempenho de seus alunos: é ele quem avalia os estudantes, identifica os
problemas, busca soluções e analisa os resultados.
O Ministério da Educação dá apenas as linhas gerais do conteúdo
a ser lecionado.
"Isso só é possível porque os
professores recebem um treinamento prático específico para saber lidar com tanta
independência", disse a VEJA Hannele Niemi, vice-reitora da
Universidade de Helsinque, que trabalha com a formação de professores há três
décadas.
O currículo escolar também é flexível, decidido em conjunto
entre professores,
administradores, pais e representantes dos alunos.
A cada três anos, as metas da escola são negociadas com o
Conselho Nacional de Educação, órgão responsável por aplicar as políticas do
ministério.
"Queremos que os professores e os diretores, que
conhecem o dia-a-dia da escola, sejam responsáveis pela educação",
diz Reijo
Laukkanen,
um dos membros mais antigos do Conselho Nacional de Educação
O governo finlandês faz anualmente um teste com todas as escolas
do país e o resultado é entregue ao diretor da instituição, comparando o
desempenho de seus alunos com a média nacional.
Cabe aos diretores e aos professores decidir como resolver seus
fracassos. Esse sistema tem o mérito de fazer com que os professores se sintam
motivados para trabalhar.
A reforma educacional finlandesa levou três décadas para se
consolidar.
Pouco a pouco, as crianças voltaram a ser matriculadas nas
escolas públicas e as instituições privadas foram incorporadas ao sistema do
estado.
Hoje, 99% das escolas são públicas e o aluno conta com material
escolar, refeições e transporte gratuitos.
Cerca de 20% dos estudantes recebem algum tipo de reforço
escolar, índice acima da média internacional, de 6%.
"Quando um aluno repete, perde
toda sua motivação, torna-se amargo e pode até apresentar resultados piores que
na primeira tentativa", diz Eeva Penttilä, do
departamento de educação da cidade de Helsinque.
O sucesso da educação finlandesa é, em parte, fruto das
características únicas do país.
A população, de 5,2 milhões de habitantes, é relativamente
pequena e homogênea.
"Com uma população 35 vezes
maior e disparidades regionais e sociais mais acentuadas, o Brasil não
conseguiria ter o mesmo padrão de igualdade entre as escolas, como existe na
Finlândia", diz João Batista de Oliveira, ex-secretário executivo do
Ministério da Educação.
O preço do sistema de bem-estar social que assiste o cidadão do
berço ao túmulo é uma carga tributária de 43% do PIB, uma das maiores do mundo,
mas apenas seis pontos acima da brasileira.
Ou seja, trata-se de um estado paquidérmico, mas eficiente.
A
Finlândia é o país menos corrupto, segundo a Transparência Internacional
Sari Gusta Gustafsson/Lehtikuva
A brasileira Andrea leciona inglês em Helsinque: exigência alta
Há quase treze anos na Finlândia, a brasileira Andrea Brandão
conhece bem as diferenças entre as duas sociedades.
"No Brasil, muita gente acha que
algumas profissões, como porteiro, não necessitam de um ensino básico de
qualidade", diz.
"Na Finlândia, existe um
consenso de que todo mundo precisa ter uma educação mínima para ser um
cidadão."
Andrea é professora de inglês em uma das poucas escolas particulares do
país, voltada para a população de fala sueca, que é minoria na Finlândia.
Particular, nos "moldes
finlandeses", significa que os alunos pagam uma anuidade opcional de 100
euros, pouco mais de 250 reais.
A estudante Eeva-Maria Puska, de 16 anos, passa seis horas e
meia por dia na escola Meilahden Yläaste, em Helsinque.
Além das disciplinas obrigatórias, ela freqüenta aulas de
música, artes e francês, opcionais para os alunos da 9ª série.
Mesmo com tantas matérias, Eeva não reclama da carga horária
nem, menos ainda, do ambiente:
"Gosto dos meus professores,
tanto como profissionais quanto como pessoas",
afirma.
Na sua escola, professores e alunos conversam amigavelmente nos
corredores espaçosos e bem iluminados.
A educação de qualidade foi essencial para uma virada na
economia finlandesa.
A mão-de-obra qualificada permitiu que a eletrônica substituísse
a madeira e o papel como principais produtos de exportação.
A Finlândia tem hoje o terceiro maior investimento em pesquisa e
desenvolvimento do planeta, grande parte feita por empresas privadas.
Uma antiga fábrica de papéis e de botas de borracha do interior
do país foi o símbolo dessa transformação.
A empresa, Nokia, hoje é a maior fabricante mundial de
celulares, com 40% do mercado internacional.
Juntos,
ela e o sistema educacional são os dois maiores orgulhos dos finlandeses
Fontes:
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