DOMINGO, 17 DE OUTUBRO DE 2010
A
REBELIÃO DE LÚCIFER "O ANJO DECAÍDO SEGUNDO JAKOB
LORBER"
Nessas
linhas, Isaías resume a história da rebelião de Lúcifer, ‘filho
da aurora’, e
de sua queda, que deu origem ao conflito entre os anjos que eram fiéis a Deus e
aqueles que se aliaram ao rebelde.
É
um mito que fascinou poetas como Dante e Byron.
Segundo Orígenes, existiam ainda alguns ‘anjos hesitantes’, em
dúvida quanto ao partido que iriam tomar, se o de Deus ou o de Lúcifer.
Foi dessas criaturas hesitantes e irresolutas, situadas
permanentemente entre o bem e o mal e incapazes de chegar a alguma decisão
definitiva, que alguns imaginam ter-se originado a raça humana.
Quando ocorreu essa divisão?
Deve ter sido antes de Deus ter posto Adão e Eva no jardim de
Éden, pois quando eles chegaram o ‘tentador’ já
estava lá, alerta e pronto para agir.
Por outro lado, porém, depois de ter completado a criação e
antes de descansar no sétimo dia, Deus viu que tudo que tinha criado ‘era
bom’.
Isso significa que a rebelião ainda não tinha ocorrido.
A Bíblia não tem nenhum relato detalhado dessa rebelião contra Deus,
embora encontremos breves referências no Antigo e no Novo Testamento, em
particular,
como vimos, em Isaías.
No Apocalipse de João, afirma-se que Lúcifer conquistou
um terço das estrelas do céu: “apareceu no céu outro sinal: e eis um
grande dragão cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças
sete coroas. A cauda varreu do céu a terça parte dos astros e os precipitou
sobre a terra (...)”
(Apocalipse 12, 3-4).
Outro trecho da Bíblia: “Quando os homens
começaram a multiplicar-se na terra e tiveram filhas, vendo os filhos de Deus
que as filhas dos homens eram bonitas, escolheram para mulher as que entre elas
mais lhe agradavam"
(Gênesis 6,1-2).
Isto sugere outro motivo possível para a queda dos anjos e sua
perdição.
E esses anjos que se deitaram na terra com as filhas dos homens
ficaram cada vez mais malvados.
Isto enfureceu Deus, que decidiu exterminar todos eles, com
exceção de Noé.
Essa é a história do dilúvio.
Esta segunda tradição, como vimos, também se encontra no
apócrifo Livro de Enoque, embora não faça menção a Lúcifer.
Assim, continua a ser um mistério seu relacionamento com aquele
a quem são Paulo se refere em sua Epístola aos Efésios (2, 2) como o
‘príncipe
do poder’.
Contudo, Ezequiel diz o seguinte a seu respeito:
“(...) Tu eras um modelo perfeito, cheio de sabedoria, a
perfeita beleza.
No Éden, no jardim de Deus, te achavas.
De todo o tipo de pedras preciosas era o teu manto: cornalina,
topázio, berilo,
crisólito, ônix, jaspe, safira, granada e esmeralda.
Teus engastes foram trabalhados em ouro, preparados no dia em
que foste criado.
Com um querubim protetor eu te havia colocado (...)
Com teu intenso comércio, encheste teu interior de violência e
pecaste (...)
Teu coração se tornou soberbo por causa de tua beleza,
corrompeste tua sabedoria por causa de teu esplendor (...)”
(EzequieI28, 12-17).
Lúcifer, ‘o portador de luz’, foi o mais perfeito, o mais
esplendoroso dos anjos que Deus criou para Sua glória.
Mas não conseguiu continuar a desempenhar esse papel, e desejou
governar os céus no lugar de Deus, ser a autoridade suprema.
Cometeu o pecado do orgulho e tentou se apropriar daquilo que
não lhe pertencia.
Se analisarmos bem, veremos que esse é o mesmo motivo de luta
entre os próprios seres humanos.
O conflito que se iniciou no céu prossegue na terra e envolve a
todos, entra dia, sai dia.
É o poder do bem contra o do mal, e tem tido lugar desde o
princípio dos tempos — até hoje, exceto pela promessa que temos de que os
poderes do mal não triunfarão.
A existência do Diabo é parte integrante da doutrina da Igreja
Católica.
Foi reiterada por vários papas e, com certa freqüência, tem sido
tema de discussão entre os fiéis.
Resumindo essa doutrina, o monsenhor Corrado Balducci, que
dedicou muitas horas de estudo profundo ao diabo, diz em seu livro Le
possessione diabólica.
Satã é, antes de mais nada, uma criatura de Deus, tal como o
homem, embora dotado de poderes e de uma natureza muito superiores.
Mais precisamente é um anjo decaído.
Mesmo os anjos, antes de poderem desfrutar da eterna beatitude,
foram postos à prova.
E uma boa parte deles se rebelou, embora não tenham tido — como
os humanos — a possibilidade de redenção, pois estavam plenamente conscientes
de sua condição e da posição da divindade.
Desde aquele momento fala-se em demônios e inferno.
Enquanto os anjos usam seu poder com propositos positivos, os
demônios os usam com fins maléficos e perversos, pois estão cheios de odio por
Deus e pelos seres humanos.
O senhor teve o poder de mandar todos os anjos rebeldes para o
inferno,
privando-os assim de qualquer oportunidade de fazerem o mal.
Em sua infinita sabedoria e bondade, porém, permitiu que muitos
deles permanecessem sobre a terra e exercessem seus poderes maléficos; contudo,
apesar da vontade deles, os demônios representam um incentivo e
um meio para se atingir a perfeição moral.
Neste sentido, podemos dizer que o demônio é um instrumento e um
coeficiente perene de santidade.
Este desígnio é mais apropriado para a economia divina, que sabe
como usar tudo, mesmo as piores de todas as coisas, para fazer algum bem.
Eis um plano vasto, a longo prazo, que transformou um gesto de
rebelião — que aparentemente teria causado uma divisão irreparável — em um bem
potencial.
Assim, contra sua própria vontade, o anjo rebelde torna-se parte
do plano divino de redenção.
Ele é um instrumento para o aperfeiçoamento de toda a humanidade
e, expostos como estamos à tentação, devemos emergir vitoriosos.
Esse é o ensinamento da Igreja.
O ANJO
DECAÍDO SEGUNDO JAKOB LORBER
Existe uma descrição extensa, poética e cativante — embora não
muito ortodoxa — da revolta e queda de Lúcifer em um texto singular escrito por
um modesto músico austríaco chamado Jakob Lorber.
Sem dúvida, sua história merece ser contada, e aquilo que ele tem
a dizer merece ser repetido.
Jakob Lorber (1800-1864) nasceu e viveu em Graz.
Na manhã de 15 de março de 1840, esse homem simples teve uma
experiência que o perturbou profundamente.
Ele ouviu uma voz que vinha de uma região ‘perto
do coração’, que lhe ordenou especificamente que “pegasse a pena e escrevesse”.
Esse evento mudou completamente sua vida, pois nesse mesmo dia
ele deveria enviar uma carta confirmando que aceitava o cargo de segundo
regente do coro do teatro de Trieste, uma situação bastante vantajosa para ele.
Contudo, ao terminar de escrever aquilo que a voz lhe ditou
naquele dia, percebeu que o céu lhe estava confiando uma tarefa excepcional, a
qual certamente seria incapaz de levar a cabo caso aceitasse aquele emprego em
Trieste.
Assim, recusou o convite e abriu mão da idéia de se casar.
Passou o resto de sua vida em quase total reclusão, vivendo em
um cômodo simples com a renda modesta proporcionada por aulas de piano.
Todos os dias passava horas e horas escrevendo aquilo que a voz
ditava.
Seus manuscritos não contêm erros e, publicados apos sua morte,
somam mais de dez mil páginas.
Parte daquilo que Lorber escreveu é de natureza científica e
contém descrições e o conhecimento de coisas inimagináveis em sua época.
Temos a impressão de que essas informações lhe foram dadas como
forma de mostrar que se tratava do produto de uma mente divina e não humana.
Com efeito, certas coisas que escreveu acerca de átomos,
partículas elementares,
informações astrológicas e outros assuntos mostram-se exatas e
perfeitamente compreensíveis nos dias de hoje, embora ninguém tivesse
informações suficientes em sua época para aquilatar a precisão de seus textos.
Dizem, na verdade, que seriam informações destinadas ao mundo do
século XX.
A outra parte dos escritos de Lorber, mais extensa, é de
natureza religiosa,
conhecida como a Nova Revelação.
Atualmente uma editora alemã se dedica à divulgação de seus
téxtos originais, que foram também traduzidos para muitas línguas. [1]
A Nova Revelação faz uma exposição do ser humano e do
universo, desde nossas origens até a atualidade, e delineia um proposito divino
que revela o sentido oculto das escrituras.
É um trabalho monumental e inclui uma descrição da queda de
Lúcifer e suas legiões.
Quando a Divindade, por processos que sempre permanecerão
misteriosos,
identificou e reconheceu em si o espírito criativo que tudo
abrange, surgiu uma poderosa tensão.
É
quando fala para si mesma:
“Porei para fora minhas idéias, para que nelas possa contemplar
aquilo que meus poderes conseguem realizar”.
Prossegue dizendo que, a menos que haja atividade, a Divindade
só consegue Se conhecer até certo ponto.
Só por meio de suas obras é que pode aprender mais e mais sobre
Seu próprio poder, deleitando-se com ele, assim como os artistas compreendem,
através de suas criações, aquilo que há em seu interior, extraindo disso grande
alegria.
Assim, a Divindade deseja criar e se repetir.
“Em Mim está o poder das eternidades; portanto, vamos criar um
ser que será dotado de todo poder que Eu tenho, mas de modo a trazer em si as
qualidades pelas quais posso Me reconhecer”.
Foi criado então um espírito dotado de todos os poderes, com o
propósito de demonstrar serenamente à Divindade os poderes de que estaria
dotada.
Esse primeiro espírito criado é chamado de Lúcifer (ou
seja, aquele que porta a luz), e as pessoas compreenderão porque ele tem
esse nome.
Lúcifer continha a luz da percepção e, como primeiro ser
espiritual, conseguia reconhecer claramente os limites da polaridade espiritual
interior.
Lúcifer — consciente
de que tinha de representar em si o pólo oposto a Deus
— acreditava que estava
agora em posição de absorver, de certo modo, a Divindade em si mesmo, cometendo
o erro de achar que poderia assumir em si,
como ser criado e portanto finito, até o infinito...
Mas o finito jamais compreende o infinito.
Apesar disso, Lúcifer, em seu devaneio, achava que seria capaz
de aprisionar a Divindade.
Desse modo, perdeu sua verdadeira posição, distanciando-se do
centro do coração da Divindade, tomado pelo desejo cada vez mais falso de unir
à sua volta,
como suas, as criaturas que surgiram da Divindade, para dominar
os espaços povoados por seres de todos os tipos.
Surgiu o conflito — a separação das partes — que, no
final, fez com que a Divindade retirasse de Lúcifer o poder que lhe fora
conferido; Lúcifer ficou com seus seguidores, mas privado de poder e da força
criadora.
Naturalmente, restou a questão referente ao que a Divindade
faria com a legião de decaídos: deveria aniquilar Lúcifer e todos os seus
seguidores, criando depois um segundo Lúcifer — que provavelmente cometeria os
mesmos erros, pois criar um espírito perfeito, não
sujeito à vontade divina, seria inconcebível?
Mais fácil seria criar máquinas sem vontade própria, mas não era
esse o objetivo.
Para atingir a iluminação da autoconsciência, o caminho seguido
até então era o único caminho.
Como Lúcifer, cuja queda ocorrera em
virtude de um erro, poderia conquistar a possibilidade subseqüente de expiar
esse erro?
Onde estaria a sabedoria da Divindade
caso não antevisse a possibilidade de uma queda?
E onde estaria o Seu amor, se não houvesse renunciado à
destruição,
encontrando na sabedoria um meio para
reconduzir os seres perdidos à luz, ao equilíbrio entre as polaridades?
Restava apenas o segundo caminho, aquele alcançado com a criação
material.
Para compreender melhor a complexa dinâmica da criação do
universo material segundo a vontade de Deus após a revolta de Lúcifer, a Voz
relatou a Lorber
“que um cristal, depois de cristalizado, não pode mais mudar em
sua essência, permanecendo cristalizado como um rombóide, hexaedro ou octaedro,
dependendo da forma que corresponde a sua natureza.
Se os cristais não são perfeitamente puros, devem ser
dissolvidos pelo calor (amor) e em seguida cristalizados novamente, depois da maré quente do
amor ter esfriado, e isto corres- ponde à liberação da vontade humana.
Nesse ponto, é possível formar belos cristais novos, e qualquer
químico prudente é capaz de produzir cristais puros.
Vê, sou um químico!
Dissolvi os cristais que tinham se tornado impuros (Lúcifer
e seus seguidores) nas águas cálidas do amor, e depois fiz com que essas almas
cristalizassem novamente, para se tornarem transparentes como o cristal.
Você sabe que isso acontece na ascensão pelos reinos mineral e
vegetal, até o humano.
Como a alma de Lúcifer, porém, abrangia a totalidade da criação
física, deve também encontrar expressão na forma de homem.
Por isso, então, o mundo material, ou o universo como um todo,
ou o homem da criação material, foi instituído.
Nele, conforme o grau de maleficência, os espíritos foram
envolvidos pela matéria,
expostos a conflitos, tentações e sofrimentos; em primeiro
lugar, para fazer com que reconheçam pouco a pouco os seus próprios erros, por
meio das condições que os influenciam e, em segundo, fazendo com que procurem
retomar por conta própria, de acordo com sua vontade
(...) Em toda parte, o princípio da liberdade se estabelece como
o primeiro, e o princípio da perfeição como o segundo
(...) a totalidade da criação visível consiste meramente de
partículas do grande espírito Lúcifer que caiu e foi ligado à matéria, e seus
seguidores.
Veja o que estou fazendo agora em função de um único anjo
presunçoso!
É isso, nunca haveria terra ou sol, jamais algo material teria
sido criado, se esse anjo tivesse se mantido longe do orgulho
(...) Na evolução de meus inúmeros -embora ainda imperfeitos
-filhos, em sua perfeição e intuição cada vez maiores, e nas ações derivadas
disso, reside minha alegria mais sublime.
O prazer que têm no aperfeiçoamento atingido através de grande
esforço, também é o meu prazer”.
É impossível não reconhecer a grandeza e a beleza dessas
palavras, que, em minha opinião, expressam uma interpretação excepcional da
rebelião de Lúcifer contra seu Criador e o caminho escolhido por Deus em Seu
amor para trazer voluntariamente de volta à morada celeste o anjo rebelde e sua
legião de seguidores.
Mais adiante, referindo-se à parábola do filho pródigo, a Voz
deu a Lorber outras explicações sobre Lúcifer, o anjo decaído.
Ele disse que nas Escrituras não existe capítulo e versículo que
contenha algo tão grande quanto a parábola do filho pródigo...
O nome ‘Lúcifer’ contém toda a essência do filho que se perdeu.
Praticamente toda a humanidade atual consiste, nem mais, nem
menos, de membros desse ‘filho perdido’, e precisamente daqueles que descendem da
de- safortunada semente de Adão.
‘Filho pródigo’ é praticamente todo indivíduo... e todos
os que vivem segundo a palavra de Deus são novamente gerados pela redenção, e o
filho perdido (ou seja,
a natureza essencial) volta para casa.
Com efeito, toda a matéria que constitui o universo é obra de
Deus e, portanto, traz em si o Divino.
Contudo, encontramos também a mentira, a ilusão e a corrupção,
das quais deveriam a inveja, o orgulho, a soberba, as perseguições e todos os
tipos de vício,
sem número nem medida.
A falsidade, mentira ou ilusão são, do ponto de vista
espiritual, ‘Satanás’, e os vários vícios são o que chamamos de
‘diabo’.
Lorber também registrou o ditado que lhe foi feito sobre o plano
divino para levar os espíritos decaídos de volta para o lar do Pai, seguindo o
caminho da matéria.
Isso levará um tempo inconcebivelmente longo até se concretizar.
Chegará a época em que não mais haverá um sol e uma terra física
girando no espaço infinito, mas uma magnífica e nova criação espiritual de
espíritos abençoados e livres vai preencher o espaço infinito, e essa condição
abençoada nunca terá fim.
Haverá um só rebanho, um só oril, um só
pastor
Quando?
Não podemos determinar uma data segundo a contagem terrestre e,
mesmo que a conhecêssemos, seríamos incapazes de compreendê-la.
.Com base no que foi ditado a Lorber, a criação material seria o
meio previsto pelo amor divino para redimir e salvar os espíritos que caíram
com Lúcifer.
Esse caminho material de redenção é longo e acarreta
sofrimentos, mas no final leva-nos de volta a Deus.
A Voz disse ainda a Lorber, referindo-se a todos os homens:
“Agora, vocês são como embriões no útero materno. Eram, porém, espírito
e novamente espírito tornar-se-ão!”
Extraído de:GIOVETTI, Paola. Anjos. Trd. Marcello Borges. São Paulo,
Siciliano, 1995, p 31-37.
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