quarta-feira,
18 de dezembro de 2013
Edward Snowden, ex-técnico
da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), alerta
os brasileiros sobre o esquema de espionagem de Washington em uma carta aberta
obtida pela Folha.
No texto abaixo, intitulado "Carta Aberta ao Povo do
Brasil", Snowden diz que a reação do país às suas revelações foi
"inspiradora".
*
CARTA
ABERTA AO POVO DO BRASIL
EDWARD
SNOWDEN
Seis meses atrás, emergi das sombras da Agência
Nacional de Segurança (NSA) dos EUA para me posicionar diante da câmera de um jornalista.
Compartilhei com o mundo provas de que alguns governos estão
montando um sistema de vigilância mundial para rastrear secretamente como
vivemos, com quem conversamos e o que dizemos.
Fui para diante daquela câmera de olhos abertos, com a
consciência de que a decisão custaria minha família e meu lar e colocaria minha
vida em risco.
O que me motivava era a ideia de que os cidadãos do mundo
merecem entender o sistema dentro do qual vivem.
Meu maior medo era que ninguém desse ouvidos ao meu aviso.
Nunca antes fiquei tão feliz por ter estado tão equivocado.
A reação em certos países vem sendo especialmente inspiradora
para mim, e o Brasil é um deles, sem dúvida.
Na NSA,
testemunhei com preocupação crescente a vigilância de populações inteiras sem
que houvesse qualquer suspeita de ato criminoso, e essa vigilância ameaça
tornar-se o maior desafio aos direitos humanos de nossos tempos.
A NSA e
outras agências de espionagem nos dizem que, pelo bem de nossa própria "segurança" --em nome da "segurança" de Dilma,
em nome da "segurança" da Petrobras--,
revogaram nosso direito de privacidade e invadiram nossas vidas.
E o fizeram sem pedir a permissão da população de qualquer país,
nem mesmo do delas.
Hoje, se você carrega um celular em São Paulo, a NSA pode rastrear onde você se
encontra, e o faz: ela faz isso 5 bilhões de vezes por dia com pessoas no mundo
inteiro.
Quando uma pessoa em Florianópolis visita um site na internet, a NSA
mantém um registro de quando isso aconteceu e do que você fez
naquele site.
Se uma mãe em Porto Alegre telefona a seu filho para lhe desejar
sorte no vestibular, a NSA pode guardar o registro da ligação por cinco anos ou mais
tempo.
A agência chega a guardar registros de quem tem um caso
extraconjugal ou visita sites de pornografia, para o caso de precisarem sujar a
reputação de seus alvos.
Senadores dos EUA nos dizem que o Brasil não deveria se
preocupar, porque isso não é "vigilância", é "coleta de dados".
Dizem que isso é feito para manter as pessoas em segurança.
Estão enganados.
Existe uma diferença enorme entre programas legais, espionagem
legítima, atuação policial legítima --em que indivíduos são vigiados
com base em suspeitas razoáveis, individualizadas-- e
esses programas de vigilância em massa para a formação de uma rede de
informações, que colocam populações inteiras sob vigilância onipresente e
salvam cópias de tudo para sempre.
Esses programas nunca foram motivados pela luta contra o
terrorismo: são motivados por espionagem econômica, controle social e
manipulação diplomática.
Pela busca de poder.
Muitos senadores brasileiros concordam e pediram minha ajuda com
suas investigações sobre a suspeita de crimes cometidos contra cidadãos
brasileiros.
Expressei minha disposição de auxiliar quando isso for
apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando arduamente
para limitar minha capacidade de fazê-lo, chegando ao ponto de obrigar o avião
presidencial de Evo Morales a pousar para me impedir de viajar à América Latina!
Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos
EUA vai continuar a interferir com minha capacidade de falar.
Seis meses atrás, revelei que a NSA queria ouvir o mundo
inteiro.
Agora o mundo inteiro está ouvindo de volta e também falando.
E a NSA não gosta do que está ouvindo.
A cultura de vigilância mundial indiscriminada, que foi exposta
a debates públicos e investigações reais em todos os continentes, está
desabando.
Apenas três semanas atrás, o Brasil liderou o Comitê de Direitos
Humanos das Nações Unidas para reconhecer, pela primeira vez na história, que a
privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de
inocentes é uma violação dos direitos humanos.
A maré virou, e finalmente podemos visualizar um futuro em que
possamos desfrutar de segurança sem sacrificar nossa privacidade.
Nossos direitos não podem ser limitados por uma organização
secreta, e autoridades americanas nunca deveriam decidir sobre as liberdades de
cidadãos brasileiros.
Mesmo os defensores da vigilância de massa, aqueles que talvez
não estejam convencidos de que tecnologias de vigilância ultrapassaram
perigosamente controles democráticos, hoje concordem que, em democracias, a
vigilância do público tem de ser debatida pelo público.
Meu ato
de consciência começou com uma declaração:
"Não quero viver em um mundo em
que tudo o que digo, tudo o que faço, todos com quem falo, cada expressão de
criatividade,
de amor ou amizade seja registrado.
Não é algo que estou disposto a
apoiar, não é algo que estou disposto a construir e não é algo sob o qual estou
disposto a viver."
Dias mais tarde, fui informado que meu governo me tinha
convertido em apátrida e queria me encarcerar.
O preço do meu discurso foi meu passaporte, mas eu o pagaria
novamente: não serei eu que ignorarei a criminalidade em nome do conforto
político.
Prefiro virar apátrida a perder minha voz.
Se o
Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja o seguinte: quando
todos nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e dos
direitos humanos básicos, poderemos nos defender até dos mais poderosos dos
sistemas.
Tradução de CLARA ALLAIN
Veja o Vídeo Abaixo:
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