quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
O saudoso psiquiatra que levava a sério casos
de abdução,
John E. Mack.
O seguinte artigo foi escrito por Alexa Clay, enteada do Dr. John E.
Mack, e ilustra perfeitamente como são
tratados os cientistas que investigam aquilo que, por incrível que pareça, nos
dias de hoje ainda é considerado tabu nas instituições de ensino:
Meu irmão mais novo e eu o chamávamos de ‘o velho lagarto’ (devido à sua aparência reptiliana – e para provocar nossa
mãe, sua parceira naquela época).
Para seus inimigos, ele era um louco, uma
fraude e um enganador.
E para seus pacientes, e muitos dos seus
amigos, ele era uma fonte de apoio, um ouvinte aberto, um sábio e protetor.
Dr. John E. Mack foi muitas
coisas para muitas pessoas.
Um psiquiatra treinado da Harvard, professor
titular, e um dos fundadores do Departamento de
Psiquiatria do Hospital de Cambridge (um hospital escola afiliado à Universidade de Harvard), John obteve um comando impressionante e era
respeitado em seu campo.
Após uma carreira inicial trabalhando com
assuntos sobre o desenvolvimento da criança e a formação da identidade,
ele ganhou o Prêmio Pulitzer, em 1977, por sua biografia psicanalítica de Lawrence
da Arábia, intitulada ‘A Prince of Our
Disorder’ – 1976, (‘Um Príncipe
de Nossa Desordem‘ -trad. livre n3m3).
Então, no final da década de 1980, John colocou sua reputação em jogo quando começou a investigar o
fenômeno das abduções alienígenas.
Tudo começou de forma inocente.
Ele começou a fazer sessões com pacientes que
acreditavam ter sido abduzidos.
Ele fazia regressões por hipnose e gradualmente
forneceu evidências suficientes para um livro.
‘Abduction: Human
Encounters with Aliens’ -1994 (‘Abdução: Encontros de Humanos com
Alienígenas’ – trad. livre n3m3).
Esta obra foi seguida em 1999 por ‘Passport to the Cosmos: Human Transformation and Alien Encounters‘
(‘Passaporte para o Cosmos: Transformação Humana e Encontros com
Alienígenas‘ -trad. livre n3m3).
Sua linha padrão para com o mundo externo era (como dito para a BBC):
“Eu nunca diria,
sim, alienígenas estão falando com as pessoas.
[Mas] Eu diria que há um fenômeno convincentemente
poderoso que eu não posso explicar de qualquer outra forma, que é misterioso…
Eu não sei o que
isto é, mas para mim parece que requer perguntas mais aprofundadas“
Na privacidade de nossa casa, onde eles eram
uma presença costumeira, John era mais intenso com suas alegações.
Alienígenas são reais – o caso é que
a sua existência ameaça a lógica dominante de nossa visão do mundo.
John atribuía à falha da sociedade em explicar
a experiência de abdução como uma deficiência cultural
As abduções alienígenas não eram desarranjadas
ou mentalmente insanas – somente não tínhamos uma forma de interpretar e
compreender pelo o que eles [abduzidos] passaram.
Ao invés de rotular as experiências dessas
pessoas como uma nova desordem ou síndrome, John argumentava
que tínhamos que investigar e mudar a nossa percepção da realidade para
explicarmos o fenômeno.
Por mais de uma década, desde o tempo que eu
tinha oito anos até eu me tornar maior de idade, presenciei estes debates e a
política que cercava a vinda à tona de John em apoio ao
fenômeno das abduções.
Minha mãe, uma antropóloga, foi a assistente
primária de John em suas pesquisas.
Eles compraram uma casa juntos em Cambridge,
Massachusetts e meu irmão e eu visitávamos eles
uma vez por mês, e durante as férias escolares.
O resto do tempo vivíamos com meu pai e minha
madrasta em Arlington, Viginia (EUA)
Como muitos de seus colegas, eu via John com uma mistura de ceticismo e intriga.
Parte do meu ceticismo pode ser explicado pelo
fato de que ele estava namorando a minha mãe; mas um boa fração disso era
devido ao fato do meu senso de realidade estar sendo virado de cabeça para
baixo pelas postulações de ‘greys‘ – um manifestação em particular dos extraterrestres,
conhecidos pelas grandes cabeças, olhos amendoados enormes e corpos de estatura
baixa,
praticamente sem características
Quando eu tinha oito anos, e ainda aprendendo a
distinguir entre a fantasia e a realidade, a imposição dos adultos que
acreditavam em alienígenas era confusa e provocava ansiedade, mas provocava
também um senso de aventura e suspense.
Eu tinha certeza de que o Papai Noel não era
real.
Mas eu não teria apostado minha vida nisso.
Meus bichos de pelúcia e brinquedos tinham
somente perdido aquela qualidade animista – se tornando meras coisas para
brincar, instrumentos da imaginação, o que é oposto às criaturas reais com suas
próprias essências. Quanto aos alienígenas, eu não podia ter certeza.
Ao pegar voos entre as casas de meus pais,
algumas vezes eu ficava alerta para ver se avistava algum globo metálico.
Foi em 1992, quando John entrou em nossas vidas.
Bill Clinton era presidente e Kurt Cobain dominava as ondas de rádio.
Era o fim da Guerra Fria e o cientista político
Francis Fukuyama tinha recém publicado seu livro ‘The End of History and the Last Man’ (O Fim da História e o Último Homem’ -trad.
livre n3m3), onde ele, esperançoso, previa que a evolução
humana tinha chegado ao fim com o triunfo da democracia liberal ocidental.
Tudo era uma navegação tranquila.
Não tínhamos mais a ameaça do comunismo, mas
ainda não tínhamos a ameaça dos terroristas.
Eu preciso de um inimigo simbólico; alienígenas
personificaram um importante ‘outro’ – um alerta distopiano para o entusiasmado triunfalismo da
nossa cultura ocidental,
Na televisão, o paranormal logo apareceu com
programas como Roswell e Arquivos-X, que exploraram o fenômeno alienígena na sombra do
acobertamento governamental e conspirações.
Mude de canal e você poderia encontrar a série
de 26 episódios, também de outro mundo, Universo Misterioso,
de Arthur C. Clarke.
Não é de se espantar que a década de 1990 viu um aumento em aparições de alienígenas na imaginação da
população.
O milênio iminente trouxe consigo a chegada de
um futuro que tinha sempre estado distante.
Como a cientista política Jodi Dean, autora de ‘Aliens
in America’ – 1998, articulou na época, “a aparição de alienígenas corresponde às nossa
ansiedades sobre o desenvolvimento tecnológico e nossa crescente consciência de
nós mesmos como um planeta e nossos temores para o futuro naquele milênio.”
Há alguma verdade aqui.
Quando perguntei à minha mãe e ao John o que os
alienígenas pretendiam (subtexto:
‘Eles vêm em paz, ou devo ficar realmente
receosa?’), eles disseram que muitos dos abduzidos sentiam
que os alienígenas comunicavam uma mensagem ambiental sobre a urgência de
salvarmos o planeta.
Na época, muitos dos abduzidos que John entrevistava atestaram à superioridade tecnológica da raça
alienígena.
Ele me contava histórias sobre pacientes
abduzidos que diziam que os alienígenas podiam passar pelas paredes,
eram capazes de comunicar através da percepção
extra sensorial (PES) e ler as
mentes, e desempenhar experimentos médicos em humanos sem cirurgia invasiva.
Com base nisso, os alienígenas forneciam uma
válvula de escape para todos os nossos medos de dominação tecnológica.
Ter uma experiência com alienígenas era
perceber que a raça humana não representa o ápice da evolução; que talvez somos
inferiores à vida extraterrestre.
“Durante o dia, eu
era cética (o boa pequena
racionalista), mas a noite trazia
consigo uma maré de pensamento mágico”
Mas, para uma garota amplamente ignorante das
forças sociológicas maiores, os alienígenas eram somente uma coisa:
assustadores.
Eles tinham grandes olhos negros e formas
andrógenas.
E eles eram reais – como fantasmas e bruxas e
monstros.
Durante o dia, eu era cética (o boa pequena racionalista),
mas a noite trazia consigo uma maré de
pensamento mágico.
Eu costumava deitar na cama e me preocupar que
talvez seria abduzida.
Eu até prometia um melhor comportamento, na
esperança de negociar com esses forasteiros – ‘Eu serei boa, só me deixem em paz‘.
No meu lar secular progressivo, os alienígenas
ofereciam uma autoridade disciplinar moral, um espectador invisível para
policiar minhas ações.
Após muitos anos se passarem sem qualquer sinal
de visitação extraterrestre, eu comecei a me sentir ignorada
Meus temores se tornaram panelas de depressão:
“Eu não era especial?”
“Eu não deveria ser
escolhida como embaixadora para a raça humana?”
Ou até mesmo:
“Se os alienígenas
quisessem realmente criar uma raça mestre (como eu havia escutado), eles não gostariam de obter meu DNA?”
John tinha muitas
das mesmas lamentações
Eles não eram os machucados do ego de uma
criança perseguindo algum chamado embaixadorial, mas estavam na mesma
categoria.
Ele se sentiu deixado para trás.
Ele queria um encontro.
Ele era a face pública deste movimento e,
todavia, somente tinha experiências secundárias do fenômeno da abdução.
Tendo despendido mais de 15 anos escutando os
encontros de outras pessoas com estes seres míticos, ele queria alguma evidência
além dos testemunhos que havia agregado de seus pacientes.
Ele queria ser visitado.
Todos nós queríamos.
Tão importante quanto, uma visitação teria
respondido o crescente coro de críticas acumulados no lado ‘respeitoso’
do trabalho da vida de John.
Muitos de seus colegas pensaram que ele havia
ficado louco.
Ele, por sua vez, sentiu-se traído por aqueles
acadêmicos colaboradores que falharam em apoiar seu trabalho.
As maiores críticas de John questionavam seu
uso de hipnose.
Mantendo a teoria da ‘repressão’ de Freud – a qual dita que a mente pode banir memórias
traumáticas, a fim de nos defender da ansiedade – muito do trabalho de pesquisa
de John invocava a
ideia da recuperação de memória, onde, através da hipnose, você poderia ‘enviar’ o paciente de volta para os traumas reprimidos e assim
lembrar suas experiências de abdução.
Eu lembro uma noite de verão, numa casa de
praia no Vinhedo de Marta, quando eu tinha aproximadamente 11 anos, todos nós
assistíamos a John regredindo minha tia de volta para uma vida passada.
Ela deitou no sofá relembrando um incidente no
qual ela era um guarda florestal que testemunhou a morte de algumas pessoas
durante um tipo de avalanche.
Minha tia mais tarde me contou que ela estava
completamente consciente da experiência, mas não podia controlar o que estava
dizendo.
Era como se estivesse assistindo a ela mesmo
contando a história.
John mais tarde tentou hipnotizar meu irmão, para
que ele não tivesse medo de aranhas.
No final das contas, a questão que atormentava
os escavadores de memórias como John era se estas memórias reprimidas, divulgadas
sob hipnose, eram meros ‘fatos’ da mente, ou então lembranças legitimamente verdadeiras.
A tendência de John a respeito de uma
interpretação mais literal das experiências de seus pacientes com alienígenas
era controversa.
“John descreveu a investigação como ‘Kafkaesque’ (absurda).
Ele nunca soube
completamente o status dela ou a natureza das reclamações do comitê.”
Em 1994, o reitor da
Escola de Medicina de Harvard chamou um comitê de colegas para investigar a
escolaridade de John
Esta foi a primeira vez que um professor
titular foi submetido à uma investigação.
Ela era, efetivamente, uma inquisição que
alguns a compararam à uma ‘caça
às bruxas’, e isto deixou John se sentindo perseguido e incompreendido.
John descreveu a investigação como ‘Kafkaesque’ (absurda).
Ele nunca soube completamente o status dela ou
a natureza das reclamações do comitê.
Incapazes de acusar John de quaisquer violações
éticas ou falta de conduta profissional, sua meta foi a de perguntar,
como o professor de direto Alan Dershowitz coloca, “se um professor da Escola de Medicina de Harvard deveria
estar colocando sua credibilidade em histórias de abduções de alienígenas do
espaço“.
Para Dershowitz, esta era uma meta duvidosa.
“Nenhuma grande
universidade deveria estar investigando as ideias de seu corpo docente“, ele escreveu na revista da universidade, em 1995.
No final, o reitor reafirmou a liberdade
acadêmica de John de estudar o que ele desejasse e de declarar a
sua opinião sem impedimento
Mas o dano já havia sido feito.
À medida que sua credibilidade profissional
enfraquecia, a ansiedade e a ira de John começaram a aumentar.
John se preocupava sobre sua reputação.
Não foi fácil se tornar persona non grata exatamente
nas instituições que ele ajudou a construir.
Ele estava acostumado a trabalhar dentro dos
sistemas profissionais estabelecidos, e quando aquelas instituições
questionaram sua integridade, ele procurou por aliados em outras pessoas com a
mesma mentalidade
Ele teve muito apoio de xamãs, abduzidos e
celebridades
Nosso lar se tornou um altar vivo de um bando
esotérico de excêntricos que eram regularmente convidados ou não.
Uma manhã, quando fui pegar suco de laranja na
cozinha,
o ator Woody Harrelson estava lá, bebendo café com John à mesa.
Isto era normal.
Normal também era ser oferecida um cachimbo da
paz por Sequoia, um xamã nativo americano que soprava tabaco em nossas faces
joviais e nos desafiava a procurar por nossa maior experiência visionária.
Na idade de 13 anos, porém, eu já estava pronta
para ir em frente.
John e minha mãe estavam indo para o sertão
australiano por um ano, para falarem com os povos aborígenes sobre suas
experiências com alienígenas.
Meu irmão e eu fomos convidados para ir junto:
nossa educação formal seria satisfeita pelos pacotes de ensino à distância,
enquanto nossa educação real naquela época seria uma combinação de didgeridoo e mitos de criação aborígene.
Mas algo dentro de mim desejava estabilidade e
ordem.
Eu desejava ser absorvida na cultura
antiséptica estadunidense onde lacrosse, danças na escola e blue jeans eram os fins por si mesmos;
onde a realidade ordinária não era usurpada pelo fantástico
Finalmente, meu irmão e eu optamos por ficar
para trás.
Fomos morar com nosso pai e madrasta,
sucumbimos à deliciosamente confortável existência dentro de uma cerca branca (literalmente, a cerca da casa era pintada de branco).
Tornamo-nos absorvidos pelas preocupações e
políticas de adolescentes.
E os únicos discos voadores que encontramos
eram os Frisbees
Mais tarde, na faculdade da Universidade Brown,
eu dei a mim mesma licença para novamente explorar os mágicos pensamentos de
minha juventude, especificamente a ideia de que a realidade era meramente uma
construção.
Como adulta, isto era um prospecto menos
ameaçador.
Ao invés de induzir um pânico existencial, ela
fornecia louvores de reputação.
Eu acabei escrevendo uma tese sobre a
astrologia do século XVII e a formatação de fronteiras científicas.
De certa forma, ela era um poema lírico para John.
Eu queria compreender como a ‘ciência’ se tornou
‘ciência’.
Muitos dos astrólogos da época eram enxotados
dos estabelecimentos científicos emergentes – alguns até mesmo eram colocados
em julgamento pela instigação de desordem civil.
Não foi muito diferente da experiência do
próprio John,
quando seus métodos de psiquiatria foram
colocados em questionamento pelo estabelecimento científico.
Antes da minha tese ser publicada, John foi atingido por um motorista bêbado e morreu, em Londres.
Era 2004.
Imediatamente após sua morte, minha mãe começou
a receber telefonemas de videntes que alegavam ter se comunicado com John, ‘no outro lado’.
Antes de morrer, John tinha delineado um manuscrito sobre a força do amor, baseado
nas histórias daqueles que tinham sido capazes de se comunicar com os amados
após a morte.
Era uma experiência surreal para minha mãe ter
passado por tal intenso pesar, enquanto ao mesmo tempo recebia telefonemas de
pessoas que alegadamente tinham estado conversando com John após o acidente.
Após a morte de John, os
alienígenas pareceram desaparecer das discussões de casa, quase que
inteiramente.
Eu senti que o interesse do público tinha
também diminuído.
Quando perguntei à minha mãe porque o fenômeno
parecia ter morrido, ela disse que os alienígenas estavam colocando menos
ênfase no mundo ocidental; que eles estavam mais interessados na China.
E deixamos o assunto por aí.
Mas se eu reflito no impacto da minha
experiência de infância, eu acho que isto me deixou com uma abertura profunda e
um ouvido generoso.
John me ensinou o
poder de escutar; realmente escutar as pessoas, e ter a coragem e elasticidade
de questionar o conservadorismo estabelecido.
Eu ainda permaneço inteiramente agnóstica a
respeito da existência de alienígenas.
Eu tenho um envolvimento com a preservação dos
desconhecidos, e prospero na ambiguidade e complexidade do meu trabalho e das
minhas relações
O legado de John também me
deixou com uma certa reverência por pessoas que não se encaixam e pelos
desafios do status quo: pelo tipo de pessoa que caminha pela linha entre a
ilusão e o discernimento.
John, também, permanece imortalizado na minha mente
como alguém com grande coragem e empatia.
Eu o associo com o período da minha infância
moldado com as grandes questões.
Testemunhando àquela loucura que rodeava
aqueles dez anos de exploração cosmológica me deixou com um alicerce abalado de
que a realidade nunca foi completamente o que parecia ser, mas também me
forneceu um profundo senso de respeito e curiosidade sobre o mundo.
Eu me sinto incrivelmente grata pela
experiência.
com desprogramação, onde a cultura ocidental
era percebida como um inimigo da consciência e da verdade, foi uma educação que
me deixou com um sentimento residual de sempre estar fora da cultura
predominante.
Há uma parte em mim que também olha para trás
com nostalgia, por uma época onde a conversação primária estava sondando o
cosmológico – quando não éramos tão ocupados com nossos notebooks, estressados
com as finanças, ou segurando o nosso fôlego pela próxima temporada de
Homeland; mas éramos preocupados, ao invés disso, com as meta-questões sobre o
nosso papel no Universo e a existência de vida em outros lugares.
- Alexa Clay
Alexa
Clay é uma escritora que ainda está confusa
sobre a existência ou não dos alienígenas.
Ela mora em Berlim.
n3m3
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