quinta-feira, 6 de março de 2014
VALE A PENA?
É natural que muitos se perguntem: num país com 1,2 bilhão de habitantes, a
maioria mergulhada na pobreza, é indecente a Índia investir em exploração
espacial?
Não só não é nada vergonhoso, como é
visionário.
Concepção artística do Veículo Orbital indiano,
que terá seu primeiro teste em 2014.
POR SALVADOR NOGUEIRA
Se alguém ainda duvidava que China e Índia
estão em sua corrida espacial particular, agora não há mais por que questionar
A ISRO, a “Nasa” indiana, acaba de anunciar o primeiro voo de
sua própria espaçonave destinada a colocar seres humanos em órbita.
O lançamento-teste da cápsula, construída pela empresa HAL (Hindustan Aeronautics Limited), deve acontecer entre abril e junho deste ano, embarcado num
foguete GSLV Mark III, também desenvolvido pela Índia, e em fase de voos
experimentais.
O custo do projeto até agora excedeu a marca de
US$ 4 bilhões, em oito anos.
Os estudos preliminares de design foram
iniciados em 2006
— três anos depois que os chineses se tornaram
o terceiro país a desenvolver a capacidade de colocar astronautas em órbita,
igualando os feitos de russos (1961) e americanos (1962).
A primeira missão — naturalmente não-tripulada
— testará sistemas de controle, navegação e
pouso, num voo suborbital.
Caso tudo dê certo, o próximo passo será testar
o suporte de vida,
controle ambiental e sistema de escape da
tripulação (em caso de falha no lançamento).
Só então eles poderão começar a cogitar o envio
dos primeiros astronautas.
Segundo analistas, é possível que isso só venha a acontecer por volta de 2020, em razão de dificuldades com o potente lançador,
embora os planos originais previssem uma missão tripulada já em 2016.
Será a cápsula tripulada mais modesta em
operação, mas ainda assim trata-se de um grande feito do programa espacial
indiano,
que vai bem além desse projeto.
O país tem um programa robusto de exploração
interplanetária
Sua primeira sonda lunar, Chandrayaan-1, foi lançada em 2008 e operou em
órbita durante um ano.
No ano passado, os indianos lançaram sua Mars Orbiter Mission (MOM), também chamada de Mangalyaan.
A espaçonave está a caminho do planeta
vermelho, e até agora tem sido um sucesso.
Em 2017, deve partir a Chandrayaan-2, que levará um jipe até a superfície da Lua.
(Qualquer semelhança entre os passos chineses
no espaço, cujo último grande feito foi levar o rover Yutu à superfície lunar
no fim do ano passado, não é mera coincidência.)
VALE A PENA?
É natural que muitos se perguntem: num país com 1,2 bilhão de habitantes, a maioria mergulhada
na pobreza, é indecente a Índia
investir em exploração espacial?
Não só não é nada vergonhoso, como é
visionário.
Ao contrário do que se costuma pensar, a
exploração espacial não consome recursos.
Ela gera recursos.
Estudos nos Estados Unidos mostraram que, para
cada US$ 1 investido pelo governo americano em seu programa espacial, a indústria
acaba gerando US$ 10 em produtos e serviços de alta tecnologia.
Trata-se de um investimento nacional com potencial
de 1000% de retorno!
Não é à toa que, dos
gloriosos BRICs (Brasil,
Rússia, Índia e China), os supostos “donos da bola” na atual economia mundial,
todos (menos nós) investem pesadamente em sua indústria espacial.
Eles já sacaram que é assim que podem reduzir a
pobreza em seus próprios países, além de projetar seu poderio tecnológico e dar
a seus respectivos povos o direito de sonhar com a grandeza.
Só aqui o governo ainda não se deu conta de que
precisa despertar o “Gigante espacial”
É verdade que três desses quatro países têm
motivação bélica para desenvolver seus foguetes.
A Índia vive uma eterna miniguerra fria com o
vizinho Paquistão, a China tem ambições militaristas óbvias, e a Rússia está no negócio do armamentismo pesado desde a Segunda Guerra
Mundial.
Contudo, achar que isso explica tudo — e que
portanto certo está o Brasil de não desenvolver essas tecnologias — é de uma miopia ímpar.
Primeiro porque ter acesso próprio ao espaço,
assim como os meios de explorá-lo, é questão de soberania, não de belicismo.
Exemplo: vemos nossa querida
presidente estrilando sobre espionagem gringa e defendendo a construção de um
Satélite Geoestacionário Brasileiro, para que nossas comunicações civis e
militares possam ser feitas sem o uso de sistemas estrangeiros.
E aí quem a Agência
Espacial Brasileira contrata para construí-lo?
A empresa europeia Thales Alenia Space, a um
custo de R$ 1,3 bilhões.
Depois, como reclamar?
É verdade que o acordo, assinado em dezembro do
ano passado,
inclui um contrato em separado com a companhia
europeia voltado para transferência de tecnologia em telecomunicações.
Mas é ingenuidade (ou
malícia, como queira) de nossos governantes sugerir aos contribuintes
que podemos “comprar” nosso caminho em meio às tecnologias espaciais
de ponta.
Não podemos.
País nenhum entrega o ouro desse jeito, num
setor estratégico.
Enquanto isso, nossos engenheiros no IAE e no INPE vivem de recursos pingados a conta-gotas e de
um plano de longo prazo que a cada cinco anos atrasa meia década.
Não acredita?
Em 1980, o Brasil havia
se determinado a realizar uma Missão Espacial Completa: lançar um satélite
nacional, de um centro de lançamentos nacional, com um foguete nacional.
Se esse plano tivesse sido executado com
determinação e num prazo razoável, poderíamos hoje estar emparelhados com
indianos e chineses.
Os brasileiros teriam o direito de sonhar em
explorar outros mundos e enviar astronautas por seus próprios meios ao espaço.
Por que não tem na
Agência Espacial Brasileira alguém, agora, neste exato momento, pensando num
plano de exploração científica do Sistema Solar?
Por que temos lideranças
tão cegas?
Optamos, historicamente, pela letargia.
Até hoje o plano elementar da Missão Espacial
Completa não foi executado.
Apenas três tentativas malogradas de levá-lo a
termo, em 1997, 1999 e 2003.
A última delas, você deve se recordar, foi
catastrófica, com um incêndio que matou 21 técnicos e engenheiros em Alcântara.
Na ocasião da tragédia, o então presidente Lula havia prometido um novo lançamento em 2006.
Estamos em 2014, e nada.
Não é à toa que, entre os
BRICs, somos hoje os patinhos feios.
E pensar que, meros cinco anos atrás, a
comunidade internacional imaginava que pudéssemos ser a tábua de salvação do
Ocidente em meio à crise econômica mundial…
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor leia antes de comentar:
1. Os comentários deste blog são todos moderados;
2. Escreva apenas o que for referente ao tema;
3. Ofensas pessoais ou spam não serão aceitos;
4. Não faço parcerias por meio de comentários; e nem por e-mails...
5. Obrigado por sua visita e volte sempre.