Harold “Sonny” White, físico da Nasa, e um propulsor que dispensa
combustível.
POR SALVADOR NOGUEIRA 04/08/14
05:47
segunda-feira, 4 de
agosto de 2014
Imagine um propulsor para naves espaciais que possa funcionar por tempo
indefinido, por dispensar a necessidade de combustível.
Uma maravilha dessas poderia até mesmo viabilizar o sonho das viagens
interestelares — a ideia de que é possível atravessar as imensas distâncias que
separam nosso planeta dos mundos que orbitam em torno de outras estrelas que
não o Sol.
Pois bem.
Um grupo de pesquisadores da Nasa diz ter testado com sucesso um
protótipo que faz exatamente isso.
Pode ser uma revolução tecnológica sem precedentes na história da
exploração espacial.
Mas também pode ser um erro no experimento, feito em apenas oito dias
num modesto laboratório do Centro Espacial Johnson,
em Houston.
E é só por isso que eu não estou pulando desesperado, feito uma criança,
gritando “Estamos a caminho das estrelas!
Estamos a caminho das estrelas!”
Ainda é cedo para comemorar
Contudo, a ideia de que é possível produzir empuxo — ou seja, um meio de
empurrar sua nave — sem levar propelente a bordo está ganhando um número
crescente de adeptos.
Em
2006, o engenheiro britânico Roger Shawyer disse ter desenvolvido um sistema capaz de
transformar energia elétrica diretamente em propulsão.
Ninguém deu muita bola.
Em
2011, um
grupo de pesquisadores da Universidade Politécnica do Noroeste, na China,
obteve resultados parecidos.
E, mais uma vez, ninguém deu muita atenção.
O desprezo advém do fato de que a maioria dos cientistas acredita que as
leis da física estão sendo violadas se você consegue empurrar uma nave adiante
sem disparar massa significativa para trás — do mesmo jeito que faz um foguete
convencional, queimando combustível atrás para ser empurrado adiante.
Dizem eles que há violação da conservação de momento (quantidade
representada por massa vezes velocidade).
Já os proponentes desses chamados Em Drives ou Q-thrusters (nomes “bonitosos” para algo como
“motores eletromagnéticos” ou “propulsores quânticos”) naturalmente afirmam que não há violação,
embora ainda não tenha conseguido convencer quase ninguém de como essas
belezocas funcionariam.
Agora, o novo resultado foi obtido pelo grupo de Harold White, o físico
da Nasa cuja missão é investigar possíveis formas de propulsão para vencer o
desafio das distâncias interestelares.
A equipe testou um dispositivo criado por Guido Fetta, um inventor da
Pensilvânia que também acredita ter desenvolvido um propulsor eletromagnético
sem propelente.
O que eles viram, ao acoplar o propulsor a um pêndulo, foi uma pequena
força associada ao dispositivo, da ordem de 30 a 50 micronewtons.
É muito?
Não, não é.
É o equivalente à força exercida pela queda de um grão de areia
Ainda assim, eles alegam que o arranjo experimental permitiria detectar
variações da ordem de menos de 10 micronewtons.
Ou seja, o valor medido está além da margem de erro
E a grande questão não é o quanto funciona, mas sim se funciona de fato.
A resposta parece ser sim.
CONFUSÃO À VISTA
Mas não se anime demais.
Um fato curioso é que a empresa de Fetta, a Cannae, mandou dois dispositivos diferentes para teste: um projetado para
gerar empuxo e o outro projetado para não funcionar.
Contudo, nos experimentos, realizados no interior de uma câmera de
vácuo, mas à pressão atmosférica ambiente, ambos os dispositivos produziram o
mesmo empuxo.
Ou seja, das duas uma: ou estamos vendo algum
erro experimental, ou nem mesmo o inventor sabe como funciona seu propulsor
mágico.
White tem sua própria aposta de qual é o princípio por trás do
funcionamento do dispositivo.
Ele estaria interagindo com as partículas virtuais que aparecem e
desaparecem em fração de segundo no vácuo.
Uma das grandes revelações da mecânica quântica é que o vazio não é de
fato vazio — o vácuo tem uma certa quantidade de energia, que se manifesta no
rápido surgimento e desaparecimento de partículas, como num borbulhar quântico.
A energia vira um par de partículas que se aniquila em seguida e devolve
a energia ao vácuo.
Esse fenômeno das partículas virtuais é bastante seguro e já foi
confirmado experimentalmente.
O que ninguém confirmou é que se pode interagir com essas partículas
durante sua efêmera existência e empurrá-las para trás, com isso transferindo
energia de movimento ao propulsor (e à nave onde ele estiver acoplado)
White apresentou os resultados do teste numa conferência do Instituto
Americano de Aeronáutica e Astronáutica, em Cleveland, no último dia 30
E disse que os dispositivos serão enviados a outro centro de pesquisa
para confirmação independente dos resultados.
E SE FOR PRA VALER?
Caso seja mesmo possível desenvolver um sistema capaz de acelerar sem
levar o combustível consigo, o principal desafio para uma missão interestelar
estaria vencido.
Mesmo que a aceleração produzida fosse muito gradual, como o propulsor
pode continuar funcionando enquanto houver eletricidade disponível a bordo, no
fim das contas seria possível atingir uma velocidade arbitrariamente alta — uma
fração significativa da velocidade da luz.
(Os cientistas da Nasa também têm uma ideia de como ultrapassar a
barreira da velocidade da luz, supostamente intransponível, mas esse é assunto
para outra hora.)
White desenvolve seus próprios modelos de propulsor sem propelente e
sugere que seria possível, por exemplo, enviar uma sonda daqui até a estrela
vizinha mais próxima (apropriadamente chamada de Proxima Centauri) com um tempo total de
viagem de 34 anos.
E isso inclui a aceleração para sair do Sistema Solar e a desaceleração
para entrar em órbita de Proxima Centauri.
Se fosse só para passar por lá, daria para chegar ainda mais depressa
Você acha 34 anos muito tempo?
Bem, repare que a sonda mais distante já despachada da Terra, a Voyager
1, lançada em 1977, levaria cerca de 75 mil anos para fazer o mesmo percurso (se estivesse indo
naquela direção, o que não é o caso)
E note também que, mais de 37 anos depois de lançada, a Voyager 1 segue
funcionando, mostrando que uma missão não-tripulada de quatro décadas parece
bastante viável do ponto de vista operacional.
Agora, imagine o que essa tecnologia poderia fazer pela colonização do
Sistema Solar.
Viagens tripuladas a Marte poderiam ser conduzidas em semanas, em vez de
meses, e visitas aos planetas gigantes gasosos levariam meses, em vez de anos.
Ainda que você não se interesse por todas essas possibilidades de
exploração, terá de reconhecer que é muito conveniente possuir propulsores que
funcionam sem combustível. Isso elevaria em muito o tempo de vida dos satélites
em órbita da Terra, que vez por outra precisam ajustar sua trajetória e contam
hoje com propulsores convencionais para isso (que param de funcionar quanto acaba o
combustível)
Ainda é cedo para dizer que tudo isso vai se tornar realidade. Como
dizia Carl Sagan, “afirmações extraordinárias exigem evidências
extraordinárias”, e ainda não chegamos lá.
Esses experimentos todos precisam ser confirmados além de qualquer
engano, e não seria mal se os pesquisadores entendessem exatamente como esses
dispositivos funcionam, de forma a poder aperfeiçoar a tecnologia e atingir sua
plenitude.
Mas com um grupo na Inglaterra, outro na China, um terceiro e um quarto
nos Estados Unidos, todos reportando algum nível de sucesso, está ficando cada
vez mais difícil ignorar os resultados.
Será que estamos a caminho das estrelas?
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