BRASIL:
AS CIDADES PERDIDAS DA AMAZÔNIA
3 de julho de 2014
Posted by Thoth3126 on
July 3, 2014
As cidades perdidas da Amazônia.
A floresta tropical amazônica não é tão selvagem quanto
parece
Quando o Brasil criou o Parque Indígena do Xingu em 1961, a reserva
estava longe da civilização moderna, aninhada bem no limite ao sul da enorme floresta
amazônica.
Em 1992, na primeira vez em que
fui morar com os índios cuicuro, uma das principais tribos indígenas da
reserva, as fronteiras do parque ainda ficavam dentro da mata densa, pouco
mais que linhas sobre um mapa.
Hoje o parque está cercado de retalhos de terras
cultivadas, com as fronteiras frequentemente delimitadas por um muro de árvores.
Edição e imgens: Thoth3126@gmail.com
Por Michael J. Heckenberger
Para muitos forasteiros, essa barreira de torres verdes é um
portal como os enormes portões do Parque Jurássico, separando o presente: o
dinâmico mundo moderno de áreas cultivadas com soja, sistemas de irrigação e
enormes caminhões de carga; do passado: um mundo atemporal da Natureza e
de sociedade primordiais. Muito antes de se tornar o palco central na
crise mundial do meio ambiente como a gigantesca joia verde da ecologia global,
a Amazônia mantinha um lugar especial no imaginário ocidental.
A mera menção de seu nome evoca imagens de selva repleta de
vegetação respingando água, de vida silvestre misteriosa, colorida e
com frequência perigosa, de um entremeado de rios com infinitos meandros e de
tribos da Idade da Pedra.
Para os ocidentais, os povos da Amazônia são sociedades
extremamente simples, pequenas tribos que mal sobrevivem com o que a Natureza
lhes oferece.
Têm conhecimento complexo sobre o mundo natural, mas
lhes faltam os atributos da civilização: o governo centralizado, os
agrupamentos urbanos e a produção econômica além da subsistência.
Os
índios cuicuros, também chamados kuikuros,
cuicurus e guicurus, são um grupo indígena que habita as aldeias Ipatse, Akuhugi e Lahatuá,
no sul do Parque Indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso, no Brasil.
Em
1690, John Locke proclamou as famosas palavras:
“No início todo o mundo era a América”.
Mais
de três séculos depois, a Amazônia ainda arrebata o imaginário popular como
a Natureza em sua forma mais pura, e
como lar de povos aborígines que, nas palavras de Sean
Woods, editor da revista Rolling Stone, em
outubro de 2007, preservam “um estilo de vida inalterado desde o primórdio
dos tempos”
A
aparência pode ser enganosa.
Escondidos
sob as copas das árvores da floresta estão os resquícios de uma complexa
sociedade pré-colombiana.
Trabalhando
com os índios cuicuro, escavei uma rede de cidades, aldeias e estradas
ancestrais que já sustentou uma população indígena talvez 20 vezes maior em
tamanho que a atual.
Áreas
enormes de floresta cobriam os povoados antigos, seus jardins, campos
cultivados e pomares que caíram em desuso quando as epidemias trazidas pelos
exploradores e colonizadores brancos europeus dizimaram as populações nativas.
A
rica biodiversidade da região reflete a intervenção humana do passado.
Ao
desenvolverem uma variedade de técnicas de uso da terra, de enriquecimento do
solo e de longos ciclos de rotatividade de culturas, os ancestrais dos cuicuro
proliferaram na Amazônia, apesar de seu solo natural infértil.
Suas
conquistas poderiam atestar esforços para reconciliar as metas ambientais e de
desenvolvimento dessa região e de outras partes da Amazônia.
O Povo da Natureza
A
pessoa mais conhecida a buscar civilizações perdidas no sul da Amazônia foi Percy
Harrison Fawcett.
O
aventureiro britânico esquadrinhou o que denominou “selvas não mapeadas”,
buscando
uma cidade antiga – a Atlântida – na Amazônia, repleta de pirâmides de pedra,
ruas
de seixos e escrita alfabética.
Suas
narrativas inspiraram Conan Doyle em “O
mundo perdido” e talvez os filmes de Indiana Jones.
O
recente e empolgante livro de David Grann, The lost city of Z (Z, a cidade
perdida),
refez
o trajeto de Fawcett antes de seu desaparecimento no Xingu, em
1925.
Na verdade, cinco expedições alemãs já visitaram os
xinguanos e suas terras.
Em
1894, o livro de Karl von den Steinen, “Unter den Naturvölkern Zentral
Brasiliens” (Entre os aborígines do Brasil Central),
que descreveu suas expedições anteriores,
tornou-se
um clássico instantâneo da antropologia, ainda em desenvolvimento na época.
O
livro marcou o tom para os estudos do século 20 sobre os povos amazônicos como
pequenos grupos isolados vivendo em delicado equilíbrio com a floresta
tropical:
“O povo da Natureza”.
Mais
tarde, frequentemente os antropólogos viram o ambiente florestal, em geral,
como não propício à agricultura; a pouca fertilidade do solo parecia excluir os
grandes assentamentos ou as densas populações regionais.
Por
esse motivo, a Amazônia do passado parece ter sido muito semelhante à Amazônia
dos tempos atuais.
Porém,
essa visão começou a cair por terra na década de 70, conforme os acadêmicos
revisaram os relatos dos primeiros europeus sobre a região, que falavam não de
tribos pequenas, mas de densas populações.
Conforme
o best seller de Charles Mann “1491“ descreve
com eloquência, que as Américas eram densamente habitadas na véspera do
desembarque dos europeus, e a Amazônia não era exceção.
Gaspar
de Carvajal, o missionário que escreveu as crônicas da
primeira expedição espanhola rio abaixo, observou cidades fortificadas,
estradas largas com boa manutenção e muitas pessoas.
Carvajal
escreveu em seu relato de 25 de junho de 1542:
“Passamos
entre algumas ilhas que pensávamos ser desabitadas, porém ao chegarmos por lá,
tão numerosos eram os povoados que vieram à nossa vista… que nos afligiu… e,
quando
nos viram, saíram para nos encontrar no rio em mais de duas centenas de pirogas
[canoas], carregando 20 a 30 índios em cada uma, e algumas até com 40…
estavam
enfeitados com cores e vários emblemas, e portavam várias cornetas e tambores…
e em terra, uma coisa maravilhosa de ver foram as formações de grupos que
ficavam nas aldeias, todos tocando instrumentos e dançando em toda parte,
manifestando grande alegria ao nos ver passando pelas suas aldeias”.
A
pesquisa arqueológica em várias áreas ao longo do rio Amazonas, como a ilha do
Marajó na foz do rio e sítios próximos às modernas cidades de Santarém e
Manaus,
confirma
esses relatos.
Essas
tribos interagiam em sistemas de comércio que se espalhavam até localidades
remotas.
Sabe-se
menos das localidades mais próximas dos limites ao sul da Amazônia, mas um
trabalho recente em Llanos de Mojos nas
várzeas da Bolívia e no estado do Acre sugere que eles também apresentaram
sociedades complexas.
Em
1720, o guarda de fronteira Antonio Pires de Campos descreveu
uma paisagem densamente habitada na cabeceira do rio Tapajós, pouco a oeste de
Xingu:
“Esses
povos existem em um número tão enorme que não é possível contar seus povoados
ou aldeias, [e] muitas vezes em um
dia de marcha passa-se por 10 a 12 aldeias, e em cada uma há de 10 a 30 habitações,
e dentre essas casas há algumas que medem 30 ou 40 passos de largura… até mesmo
suas ruas, que eles fazem bem retas e largas são mantidas tão limpas que não se
encontra nenhuma folha caída…
Uma Antiga Cidade Murada“
Quando
me aventurei no Brasil, no início da década de 90, para estudar a profunda
história do Xingu, as cidades perdidas nem sequer passavam pela minha mente.
Eu
lera Steinen, mas mal ouvira falar de Fawcett.
Embora
muito da vasta bacia amazônica fosse terra arqueológica desconhecida, não era
provável que os etnógrafos, muito menos os xinguanos, tivessem ignorado um
enorme centro monolítico se erguendo sobre as florestas tropicais.
No
entanto, resquícios de algo mais elaborado que as aldeias ainda hoje existentes
estavam em toda a parte.
Robert
Carneiro, do American Museum of Natural History, de Nova York, que
morou com os cuicuro na década de 50, sugeriu que o estilo de vida organizado e
a economia produtiva agrícola e pesqueira poderiam suprir comunidades muito
mais substanciais, mil a 2 mil vezes maiores – várias vezes a população
contemporânea de algumas centenas de indivíduos.
Ele
também registrou evidências de que, na realidade, a área já teve um sítio
pré-histórico (designado X11 em nossa pesquisa arqueológica)
cercado de imensos fossos.
Os irmãos
Villas Boas – indianistas brasileiros indicados para o Prêmio Nobel da Paz pela
sua participação na criação do Parque do Xingu – já tinham relatado esses
trabalhos no solo perto de muitas aldeias.
Em
janeiro de 1993, logo após eu ter chegado à aldeia dos cuicuro, o
principal chefe hereditário, Afukaka, me levou a uma das valas no sítio (X6)
por eles denominada Nokugu, que recebeu o nome do espírito de onça que se pensa
lá habitar.
Passamos
por moradores locais que construíam um enorme açude de peixes ao longo do rio
Angahuku, já cheio devido às chuvas sazonais.
O
fosso, que corre por mais de 2 km, tinha 2 a 3 metros de profundidade e mais de
10 metros de largura.
Embora
eu tivesse a expectativa de encontrar uma paisagem arqueológica diferente da
atual, a escala dessas comunidades antigas e de suas construções me
surpreendeu.
Os
assistentes de pesquisa cuicuro e eu passamos os meses seguintes mapeando esse
e outros trabalhos no solo no sítio de 45 hectares.
Desde
essa época, nossa equipe estudou vários outros sítios na área, analisando mais
de 30 km em linha reta em transectos através da floresta, mapeando, examinando
e escavando os sítios.
No
final de 1993, Afukaka e eu voltamos para Nokugu, para que eu
relatasse o que aprendi.
Seguimos
os contornos do fosso externo do sítio e paramos ao lado de uma ponte de terra,
por onde costumava passar uma estrada enorme que tínhamos desenterrado. Apontei
para uma antiga estrada de terra, totalmente reta, com largura de 10 a 20
metros, que levava para outro sítio antigo, Heulugihïtï (X13), a
cerca de 5 km de distância.
Atravessamos
a ponte e entramos em Nokugu.
A
estrada, margeada por meios-fios baixos de terra, abriu-se até 40 metros –
largura das autoestradas modernas de quatro pistas.
Percorridas
algumas centenas de metros, passamos por cima do fosso interno e paramos para
observar o interior da trincheira escavada recentemente, onde tínhamos
encontrado uma base em forma de funil, para uma paliçada de tronco de árvore.
Afukaka
contou-me uma história a respeito de aldeias construídas sobre paliçadas e
ataques-surpresa em um passado remoto.
Caminhamos
por trechos de floresta, arbustos e áreas desmatadas que agora cobrem o sítio,
marcas de atividades variadas no passado.
Saímos
em meio a uma clareira gramada cercada de enormes palmeiras que marcavam uma
antiga praça.
Girei
devagar e apontei a borda perfeitamente circular da praça, marcada por uma
elevação de um metro de altura.
Expliquei
a Afukaka que as altas palmeiras lá se instalaram séculos atrás, a partir de
jardins de compostagem em áreas domésticas.
Deixando
a praça para explorar as redondezas, nos deparamos com altos sambaquis,
depósitos
de restos, que muito se assemelhavam aos de trás da casa do próprio Afukaka
Estavam
repletos de recipientes quebrados, exatamente iguais, nos mínimos detalhes,
aos
utilizados pelas esposas da tribo para processar e cozinhar a mandioca.
Em
uma visita posterior, quando escavávamos uma casa pré-colombiana, o chefe
curvou-se dentro da área central da cozinha e retirou um enorme fragmento de
cerâmica.
Disse
que concordava com minha impressão de que o cotidiano da sociedade antiga era
muito semelhante ao atual.
“Você está certo!”, Afukaka exclamou.
“Veja, um apoio de panela” – um undagi, como os
cuicuro o chamam, usado para o cozimento da mandioca.
Essas
ligações fazem dos sítios dos xinguanos locais muito fascinantes, que se
encontram entre os poucos assentamentos pré-colombianos na Amazônia onde a
evidência arqueológica pode ser conectada diretamente com os costumes atuais.
Em
outros locais, a cultura indígena foi totalmente dizimada ou o registro
arqueológico está disperso.
A
antiga cidade murada que mostrei a Afukaka era muito parecida com a aldeia
atual,
com
sua praça central e estradas radiais, apenas as antigas eram dez vezes maiores.
Da Oca à Organização Política
“Suntuosa” não é uma palavra que, em geral, venha à mente
para descrever uma casa com um tronco central e teto de sapé.
Ocidentais
pensam em uma “cabana”.
Mas
a casa que os cuicuro erguiam para o chefe em 1993 era enorme:
bem
mais de 1 mil m2.
É
difícil imaginar que uma casa construída como um cesto gigante virado para
baixo,
sem
uso de pedras, cimento ou pregos pudesse ficar tão grande.
Mesmo
a casa comum de um xinguano com 250 m2 é tão grande quanto uma casa média
americana.
O que
faz a casa do chefe sobressair não é apenas o tamanho, mas também a sua
posição, localizada no ponto mais ao sul da praça central circular.
Quando
se entra na aldeia pela estrada de acesso formal, as famílias de boa posição
moram à direita (sul) e à esquerda (norte).
O
arranjo reproduz, em escala maior, a planta de uma casa individual, cujo
ocupante de posição destacada pendura a sua rede à direita, ao longo do
comprido eixo da casa.
A
estrada de acesso corre aproximadamente de este a oeste; na casa do chefe,
sua rede
fica posicionada na mesma direção.
Quando um chefe morre, ele também é deixado em uma
rede com a cabeça voltada para o oeste.
Kuhikugu, conhecida pelos arqueólogos como sítio X11, é a maior cidade
pré-colombiana já descoberta na região do Xingu na Amazônia.
Abrigava mil pessoas ou mais e servia como o eixo central de
uma rede de aldeias menores.
Este
cálculo corpóreo básico é aplicado em todas as escalas, de ocas a toda a bacia
do Alto Xingu.
As
aldeias antigas são distribuídas pela região e interconectadas por uma rede de
estradas alinhadas com precisão.
Quando
cheguei pela primeira vez à área, levei semanas para mapear valas, praças e
estradas usando as técnicas padrões de arqueologia.
No
início de 2002, começamos a usar o GPS, o que nos permitiu mapear
a maior parte dos trabalhos no solo em questão de dias.
Descobrimos
um grau impressionante de integração regional.
O
planejamento parece quase determinado, com um lugar específico para tudo.
No
entanto, fundamentava-se nos mesmos princípios básicos das aldeias atuais.
As
estradas principais correm do leste para o oeste, as secundárias se irradiam
para fora do norte e do sul e as menores proliferam em outras direções.
Mapeamos
dois agrupamentos hierárquicos de povoados e aldeias em nossa área de estudo.
Cada
um consistia em um centro principal cerimonial e várias aldeias satélites
grandes em posições precisas em relação ao centro.
Essas
cidades provavelmente tinham mil ou mais habitantes. As aldeias menores estavam
localizadas mais longe do centro.
O
agrupamento do norte está centrado no sítio X13,
que não é uma cidade, e sim um centro de rituais, semelhante a um terreno para
festividades.
Dois
grandes povoados murados estão distribuídos de forma equidistante ao norte e ao
sul do X13, e
dois povoados murados, de tamanho médio, estão em posições equidistantes ao
nordeste e sudoeste.
O
agrupamento do sul é ligeiramente diferente.
Está
centrado no X11,
que é ao mesmo tempo uma aldeia e um centro de rituais, ao redor do qual estão
povoados de tamanho médio e pequeno.
Na
área de terra, cada núcleo populacional ocupava mais de 250 km2, dos quais
cerca de um quinto consistia em área central construída o que, grosso modo, é
equivalente a uma pequena cidade moderna.
Nos
dias de hoje, a maior parte da paisagem antiga está coberta por vegetação, mas
a floresta nas áreas centrais tem uma concentração distinta de certas plantas,
animais,
solos
e objetos arqueológicos, como muita cerâmica.
O
uso do solo foi mais intenso no passado, mas os vestígios sugerem que muitas
práticas antigas eram semelhantes às dos cuicuro: pequenas
áreas de plantio de mandioca,
pomares
com árvores de pequi e campos de sapé – o material preferido para coberturas de
choupanas.
O campo era uma paisagem de retalhos, intercalada por
áreas de floresta secundária que invadiram as áreas agrícolas não cultivadas.
Acima: A
PEDRA DO INGÁ, no Brasil e suas misteriosas inscrições.
A
Pedra de Ingá, ou Itacoatiara, é formada por blocos de gnaisse divididos em
três paineis, tendo o bloco principal dimensão de 24 metros de comprimento por
4 m de altura.
Há
muitos sulcos e pontos capsulares seqüenciados, ordenados, que lembram
constelações, embarcações, serpentes, fetos e variados animais e simbologia
ainda desconhecida em seu significado, todas parecendo o modo que os indígenas
ou os visitantes de outras latitudes (ou de outros planetas)
tinham para anunciar idéias ou registrar fatos e lendas, que apresenta um grande
potencial turístico e cultural,
entretanto
explorado de maneira extremamente irregular.
Zonas
úmidas, agora infestadas de buritis, a mais importante cultura industrial,
preservam
diversas evidências de piscicultura, como lagos artificiais, calçadas elevadas
e fundações de açudes.
Fora
das áreas centrais, existia um cinturão verde menos povoado e até uma densa
faixa florestal entre as diversas aldeias.
A
floresta também tinha seu valor como fonte de animais, plantas medicinais e de
certas árvores, além de ser considerada a morada de vários espíritos da
natureza.
As
áreas dentro e ao redor de sítios residenciais estão marcadas por terra escura,
egepe segundo os cuicuro, um solo extremamente fértil, enriquecido por lixo
domiciliar e atividades especializadas de manejo de solo, como queimadas
controladas da cobertura vegetal.
Em
todo o planeta o solo foi alterado, tornando-o mais escuro, mais argiloso e
rico em certos minerais.
Na
Amazônia, essas mudanças foram especialmente importantes para a agricultura de muitas
áreas, já que o solo natural é bem pobre.
No
Xingu, a terra escura é menos abundante em certas áreas, já que a população
nativa depende principalmente do cultivo da mandioca e dos pomares, que não
necessitam de solo muito fértil.
A
identificação de grandes núcleos populacionais murados, espalhados numa área comparável à de Sergipe, sugere que havia, no mínimo, 15 agrupamentos
espalhados pelo Alto Xingu.
Entretanto,
como a maior parte da região não foi estudada, a quantidade correta pode ter
sido muito superior.
A
datação por radio-carbono dos sítios já escavados sugere que os ancestrais dos
xinguanos chegaram à região, vindos do oeste, e começaram a modificar as florestas e a zona
úmida a seu critério cerca de 1.500 anos atrás ou até antes disso.
Nos
séculos que antecederam a descoberta da América pelos europeus, os sítios foram
reformados, passando a compor uma estrutura hierárquica.
Os
registros existentes chegam apenas até 1884, portanto os padrões de povoação
acabam sendo a única forma de estimar a população pré-colombiana; a escala dos
povoamentos sugere uma população muito superior à atual, chegando de 30 a 50
mil indivíduos.
Cidades-Jardins da Amazônia
Há
um século, o livro Garden cities of tomorrow (Cidades-jardins do
futuro), de Ebenezer Howard, propôs um modelo
para um crescimento urbano sustentável de baixa densidade populacional. Um
precursor do movimento ecológico atual, Howard idealizou cidades interligadas como uma
alternativa para um mundo industrial, repleto de cidades com arranha-céus.
Sugeria dez cidades com dezenas de milhares de
habitantes, que teriam a mesma capacidade funcional e administrativa que uma só
megacidade
Vista aérea de um antigo assentamento indígena.
Os
antigos xinguanos parecem ter construído esse sistema, um tipo de urbanismo de
estilo verde ou protourbanismo – uma incipiente cidade-jardim.
Talvez
Percy Fawcett estivesse no lugar certo, mas
com o foco equivocado:
cidades de pedra.
O
que faltava aos centros em termos de pequena escala e elaboração estrutural, os
xinguanos conseguiam alcançar pela quantidade de cidades e por sua integração.
Se Howard
tivesse conhecimento de sua existência, poderia ter-lhes devotado um trecho no
Garden cities of yesterday (Cidades-jardins do passado).
O
conceito comum de cidade como uma densa rede de prédios de alvenaria remonta à
época das antigas civilizações dos oásis nos desertos, como na Mesopotâmia (Babilônia),
mas que não possuíam as mesmas características ambientais.
Não
só as florestas tropicais amazônicas, como também as paisagens das florestas
temperadas da maior parte da Europa medieval, eram pontilhadas por cidades e
vilarejos de tamanhos similares a essas no Xingu.
Essas
visões são especialmente importantes na atualidade por causa da retomada do
desenvolvimento do sul da Amazônia, desta vez pelas mãos da civilização
ocidental.
A
floresta do sul amazônico, em transição, está se convertendo rapidamente em
áreas cultivadas e de pastagens.
Seguindo
o ritmo atual, no decorrer da próxima década a floresta se reduzirá a 20% de
sua área original.
Muito do
que resta ficará restrito a reservas, como as do Xingu, onde os povos indígenas
são os comandantes da biodiversidade restante.
Nessas
áreas, sob muitos aspectos, a salvação das florestas tropicais e a proteção da
herança cultural indígena são partes de um só todo.
http://thoth3126.com.br/brasil-as-cidades-perdidas-da-amazonia/
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