GOVERNO ‘ESTÁ CHUTANDO’ SOBRE
ZIKA E PODE PROTAGONIZAR ‘ESCÂNDALO GLOBAL’, DIZ PROFESSOR DA USP
RODRIGO ROMO
Posted on 03/03/2016 by rodrigoromo2014
SATURDAY,
MARCH 12, 2016
01/03/2016 10h54– Atualizado em 01/03/2016 10h54
Para Alexandre Chiavegatto, ainda não é
possível ter certeza de que vírus seja causa de microcefalia e Brasília pode
acabar responsabilizada por ‘pânico’ internacional.
Ruth
Costas e Ingrid
Fagundez
Da BBC, em São Paulo
Professor da USP diz que não há pesquisas e
evidências suficientes para mostrar relação entre zika e microcefalia
(Foto: AP)
Apesar de o ministro da Saúde, Marcelo Castro, dizer que não há mais dúvidas de que o zika causa microcefalia em
recém-nascidos, há quem questione a afirmação e critique o tom de certeza do
governo.
“É questão superada”, disse recentemente Castro, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
“A causa da epidemia
de microcefalia é o vírus Zika.
O que não tem
resposta ainda é se o vírus é causa suficiente para provocar microcefalia ou se
precisa de alguns fatores contribuintes.”
Para o professor de
epidemiologia da USP, Alexandre
Chiavegatto, porém, qualquer cientista que analisar com
rigor as evidências que vêm sendo enumeradas pelo ministro para provar essa
relação causal se dará conta de que elas são insuficientes.
“Se formos analisar
isso com rigor científico, o governo está chutando, tem quase que um palpite de
que o Zika causa microcefalia.
E o problema é que
se estiver errado poderá ser responsabilizado pelas consequências do pânico que
causou.
Seria o maior
escândalo global da área de saúde dos últimos anos.
Tema de tese, de
livro”, diz ele.
O professor da USP faz a ressalva de que não
está dizendo que o vírus Zika não causa microcefalia.
“É possível que sim”, completa.
“Hoje, se eu tivesse
de apostar, ainda colocaria minhas fichas na existência dessa relação (de causa), mas ciência não é aposta e temos de admitir que estão surgindo
evidências que mostram que precisamos de mais pesquisas.”
No momento, a comunidade científica parece
estar dividida sobre o tema.
Parte diz acreditar que os estudos são
suficientes para fazer essa relação causal entre zika e microcefalia.
Entre as pesquisas citadas por essa parcela
estão um trabalho publicado no mês passado na revista científica The New England Journal of
Medicine, que relatou o caso de uma jovem da
Eslovênia, infectada por zika em Natal (RN), no primeiro trimestre da gestação.
O estudo está sendo considerado o mais
completo já realizado por contar com imagens do feto, análises patológicas do
cérebro danificado pelo vírus e o sequenciamento completo do vírus da zika
encontrado nas estruturas cerebrais do bebê.
“Para mim, é
evidência definitiva. Não se fala em outra coisa entre os cientistas”, disse o infectologista Esper
Kallas, também professor da USP, à Folha.
Críticos
Do outro lado, porém, também vem crescendo o
número de cientistas que, como Chiavegatto, pedem mais estudos para que seja
estabelecida uma relação causal.
A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, por exemplo, parece ter endossado esse coro na semana passada,
defendendo que deve ser uma prioridade o investimento em estudos sobre a
associação da infecção com a anomalia neurológica.
“É preciso chegar a
fundo dessa questão que é inusitada. Vejo que estudos [sobre a associação do vírus da zika com a
microcefalia] estão sendo feitos
no Brasil e em outros países e eles são muito importantes”, afirmou Margaret à imprensa durante uma visita a um hospital no Recife.
Em dezembro, um comunicado da organização
reconheceu pela primeira vez oficialmente a relação entre o zika e os casos de
microcefalia ao mencionar um estudo brasileiro do Instituto Evandro Chagas, que
revelou a presença do vírus em um bebê microcéfalo.
“Há uma conexão
entre as duas coisas, mas causalidade é uma outra história. Não podemos dizer
100% que é só o zika vírus a causa da microcefalia, ela pode ser atribuída a
diversas questões.
Há uma conexão
porque há um evidente aumento nos casos de microcefalia no Brasil ao mesmo
tempo em que há um surto de zika no país”, afirmou na época à
BBC Brasil o especialista da OMS
Marcos Espinal, diretor do departamento de
doenças comunicáveis da Organização
Pan-Americana de Saúde.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que a relação entre o vírus
Zika e os casos de microcefalia “foi confirmada após analise de exame realizado em um bebê, nascido no
Ceará, com microcefalia e outras malformações congênitas”
De acordo com o ministério, a análise foi
feita em amostras de sangue e tecidos, onde foi identificada a presença do
vírus Zika pelo Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em Belém (PA).
“A partir desse
achado do bebê que veio a óbito, o Ministério da Saúde considerou confirmada a
relação entre o vírus e a ocorrência de microcefalia. Essa é uma situação
inédita na pesquisa científica mundial.”
No informe, o órgão diz que a relação foi
reforçada por outros fatos, como resultados positivos em amostras no líquido
amniótico de gestantes cujos bebês apresentaram microcefalia, no sangue e
tecidos de crianças com microcefalia e no tecido de fetos e placenta após
aborto.
Casos no Nordeste
O ministério da Saúde também costuma apontar
como evidência de que o Zika possa causar microcefalia o fato da região
Nordeste, bastante afetada pelo vírus, também ter registrado um grande número
de casos da malformação fetal.
“No início de 2015,
tivemos epidemia de zika no Nordeste. Nove meses depois, uma epidemia de
microcefalia.
Onde?
Exatamente no
Nordeste.
Epidemiologicamente
está estabelecida a relação”, disse o ministro à imprensa.
Segundo Chiavegatto, pelos estudos feitos até agora,
por enquanto sabemos,
basicamente, que foi encontrado o vírus Zika
no cérebro de bebês com microcefalia e que o Zika pode passar para a placenta
da mãe e líquido amniótico.
Para o professor da USP, porém, esses dados
são inconclusivos.
Como alguns cientistas dessa linha mais
cética costumam explicar, tais estudos mostram que o Zika estava no local do
crime, mas não que cometeu o assassinato.
Entre as evidências mencionadas por Chiavegatto que ainda precisam ser explicadas está o fato de a Colômbia ter
registrado mais 7 mil grávidas com zika e, por enquanto,
apenas um caso de microcefalia que poderia
ser associada à doença.
“Mas é claro que
também é possível que os casos de microcefalia estejam apenas começando a
aparecer por lá, porque a epidemia de zika chegou mais tarde na Colômbia”, diz o professor.
“Os dados
colombianos também precisam ser tratados com rigor e precisamos estar abertos a
todas as possibilidades.”
Outra questão que ainda precisaria de
resposta, segundo ele, seria o caso do Sergipe.
Segundo uma reportagem publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo no domingo, o menor Estado da Federação tem,
proporcionalmente a sua população, o maior número de casos registrados de
microcefalia do país (192), mas nenhum caso confirmado de infecção por
vírus Zika.
Subnotificação
Alguns cientistas também questionam a
possibilidade de se tirar qualquer conclusão com base nas estatísticas do
governo para microcefalia, que para eles seriam falhas.
Dois estudos publicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e feitos na Paraíba
e em Pernambuco sugerem que havia uma subnotificação de casos de microcefalia
antes da epidemia de zika.
Ou seja, menos casos eram informados às
autoridades.
O número oficial, geralmente usado na
comparação, é de 150 casos por ano na fase pré-zika.
Um desses estudos, por exemplo, avaliou bases
de dados oficiais com informações de mais de 100 mil bebês nascidos na Paraíba
e concluiu que até 8% das crianças registradas entre 2012 e 2015 se encaixavam nos critérios de diagnóstico de microcefalia.
“Acho que o governo
tem medo de errar, de voltar atrás.
Então em vez de
admitir o erro sobre a certeza (da
relação causal entre zika e microcefalia) resolveu dobrar a aposta.
Está causando alarde
com a desculpa de que o alarmismo ajuda a prevenção – e acho que, de fato,
ajuda.
Mas gerar pânico com
uma mentira também pode ter um custo bastante elevado”, diz Chiavegatto.
O professor cita os bilhões de reais
supostamente perdidos no Brasil e demais países atingidos com a queda no
turismo.
Também os casos de grávidas que, após pegarem
zika, resolveram abortar em diversos países.
“Imagine só como vai
ficar a cabeça dessas mulheres mais para frente se ficar provado que a relação
não era tão direta, por exemplo, que havia mais fatores envolvidos, ou que a
relação causal não existia” afirma ele.
“Por isso é
essencial que a comunicação com a população seja feita de forma cuidadosa e
bastante franca”, defende.
Segundo o último balanço do Ministério da
Saúde, já são 583 casos confirmados de bebês com microcefalia ou alterações no
sistema nervoso central em 16 Estados do país.
O Ministério da Saúde diz que está “se aprofundando na análise dos casos, além
de acompanhar outras análises que vem sendo conduzidas pelos seus órgãos de
pesquisa e análise laboratorial”.
“O Governo Federal e
representantes do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em ingês), dos Estados Unidos, estão trabalhando em
conjunto na análises desses materiais.
O CDC é referência para a OMS em doenças transmissíveis”, diz uma nota do
ministério.
http://portugueselovenlightmessages.blogspot.com.br/2016/03/rodrigo-romo-governo-esta-chutando.html
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