SEXTA-FEIRA,
24 DE JUNHO DE 2016
Entender o funcionamento do ego coletivo, além do ego individual, pode
ser extremamente salutar para tomarmos consciência de comportamentos
conflituosos no cotidiano, e também pode ajudar a rever e evoluir posturas e
atitudes em momentos como nossa atual imensa crise política e social no Brasil
— repleta de hostilidades, comportamentos rancorosos e demonstrações de
agressividade física.
Qual é a motivação de uma pessoa quando
ela se encontra no meio de um grupo?
Sob que influência e atração ela está?
O que a motiva a agir contra outro grupo?
O que a move quando ela se sente parte e
representante de um coletivo?
O escritor alemão Eckhart Tolle, autor de “O
Poder do Agora“, dá sua visão sobre a gênese e motivação do ego coletivo no seu livro “O
Despertar de Uma Nova Consciência” (Sextante, 2007), onde afirma que o ego individual muitas vezes encontra refúgio no ego
coletivo, mas inevitavelmente esbarra no conflito e no sofrimento também lá
E após o ego coletivo experimentar esse sofrimento, Eckhart diz que
algo valioso pode acontecer, mas que “pode ser doloroso acordar de
repente e perceber que a coletividade com a qual nos identificamos e para a
qual trabalhamos é, na verdade, insana“.
O capítulo inteiro do livro citado é dedicado ao “Ego
Coletivo“, cujo trecho segue mais abaixo.
Numa das partes de outro
capítulo, Eckhart analisa
o mecanismo de defesa e de motivação do ego coletivo:
“Medo, cobiça e desejo
de poder são as forças motivadoras psicológicas que estão por trás não só dos
conflitos armados e da violência envolvendo países, tribos, religiões e
ideologias, mas também do desentendimento incessante nos relacionamentos
pessoais.
Elas produzem uma
distorção na percepção que temos dos outros e de nós mesmos.
Por meio delas,
interpretamos erroneamente todas as situações, o que nos leva a adotar uma ação
equivocada para nos livrarmos do medo e satisfazermos nossa necessidade
interior de alcançar mais, um poço sem fundo que nunca pode ser preenchido”.
— Eckhart Tolle, em “O Despertar de Uma
Nova Consciência” (pg. 15)
Com um pouco de calma e sensatez é possível observar o quanto de
distorção e pressuposições equivocadas acontece nos confrontos políticos entre
os cidadãos hoje, nas ruas e nas redes sociais, originados nessa crise de
corrupção generalizada no poder.
Notícias sem fundamento nem fonte confiável, por exemplo, são dos
elementos mais óbvios que amplificam essas percepções equivocadas,
reforçam “lados” e incitam ao conflito (incitam naquele que segue sem consciência,
obviamente)
No capítulo do ego coletivo, Eckhart explica melhor como o ego cria e
se coloca de um lado, para seu próprio alívio, e então, fechado no grupo, age
em seu nome, e assim se torna insano.
Nem toda atitude de defesa e conflito é egóica, naturalmente, afinal há
ativismos justos e os comportamentos de grupo fazem parte da ecologia da vida.
Mas pela indisfarçável presença do ego coletivo nos conflitos atuais, ou
pela própria existência de vários desses conflitos graças à ação dos egos
coletivos, cujos tons são dados pelas acusações de grupos, contra grupos,
em defesa e cobiça, a visão de Eckhart Tolle, trazendo sua perspectiva de uma
nova era, é útil e esclarecedora.
Mesmo que a análise às vezes pareça desmotivadora, o tom da obra de Eckhart é de
esperança e prevê a chegada de uma nova era baseada justamente na superação do
ego como existe hoje, em prol do que chama de uma nova consciência.
Reforçando essa visão, fica a convicção de que não é possível que os
grupos em conflito atualmente estejam tão separados assim em desejo e esperança
de futuro
Há um foco exacerbado nas
discordâncias, talvez obra desse ego coletivo, e uma invisibilidade estranha
daquilo que os une, pois muito do que se aspira é comum.
O EGO COLETIVO
Trecho de “O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA”
Por Eckhart Tolle
(tradução Henrique Monteiro)
Até que ponto é difícil viver consigo
mesmo?
Uma das maneiras pelas quais
o ego tenta escapar da insatisfação que tem em relação a si próprio é ampliando
e fortalecendo sua percepção do eu
Ele faz isso identificando-se com um grupo, que pode ser um país, um
partido político, uma empresa, uma instituição, uma seita, um clube, uma turma,
um time de futebol, etc.
Em alguns casos, o ego pessoal parece se dissolver completamente quando
alguém dedica a vida a trabalhar com abnegação pelo bem maior de uma
coletividade sem exigir recompensa, reconhecimento nem enaltecimento
Que alívio ser libertado da carga incômoda do eu pessoal.
Os membros do grupo sentem-se felizes e satisfeitos, não importa quanto
precisem trabalhar, quantos sacrifícios tenham que fazer.
Eles parecem ter superado o ego.
A questão é: será que se libertaram de
verdade ou o ego apenas se mudou do plano pessoal para o coletivo?
Um ego coletivo manifesta as mesmas características do ego pessoal, como
a necessidade de enfrentamentos e inimigos, de ter ou fazer mais, de estar
certo e mostrar que os outros estão errados, etc.
Cedo ou tarde, essa coletividade entrará em conflito com outras
coletividades porque busca inconscientemente o desentendimento e precisa de
oposição para definir seus limites e, assim, a própria identidade.
Depois, seus integrantes experimentam o sofrimento, que é uma conseqüência
inevitável de toda ação motivada pelo ego.
A essa altura, eles podem
despertar e compreender que seu grupo tem um forte componente de insanidade.
Pode ser doloroso acordar de repente e perceber que a coletividade com a
qual nos identificamos e para a qual trabalhamos é, na verdade, insana.
Nesse momento, há pessoas que se tornam cínicas ou amargas e, daí por
diante, passam a negar todos os valores, tudo o que vale a pena.
Isso significa que elas adotam rapidamente outro sistema de crenças
quando o anterior é reconhecido como ilusório e, portanto, entra em colapso.
Elas não encaram a morte do seu ego; em vez disso, fogem e reencarnam em
outro.
Um ego coletivo costuma ser mais inconsciente do que os indivíduos que o
constituem.
Por exemplo, as multidões (que
são entidades egóicas coletivas temporárias) são capazes de cometer
atrocidades que a pessoa sozinha não seria capaz de praticar.
Vez por outra, os países adotam um comportamento que seria imediatamente
reconhecido como psicopatico numa pessoa.
À medida que a nova consciência for surgindo,
algumas pessoas se sentirão motivadas a formar grupos que a reflitam.
E eles não serão egos coletivos.
Seus membros não terão
necessidade de estabelecer sua identidade por meio deles, pois já não estarão
procurando nenhuma forma para definir quem são.
Ainda que essas pessoas não estejam totalmente livres do ego, elas terão
consciência bastante para reconhecê-lo em si mesmas ou nos outros tão logo ele
se manifeste.
No entanto, será preciso estar sempre alerta, uma vez que o ego tentará
assumir o controle e se reafirmar de qualquer maneira
Dissolver o ego humano trazendo-o à luz da consciência – esse será um dos
principais propósitos desses grupos formados por pessoas esclarecidas,
sejam eles empresas, instituições de caridade, escolas ou comunidades.
Essas coletividades vão cumprir uma função importante no surgimento da
nova consciência.
Enquanto os grupos egóicos
pressionam no sentido da inconsciência e do sofrimento, as agremiações
esclarecidas podem ser um vórtice para a consciência que irá acelerar a mudança
planetária.
http://caminhodecura.blogspot.com.br/2016/06/o-ego-coletivo-e-os-conflitos-sociais.html
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