VIVER LIVRE OU MORRER: A
PSICOLOGIA DA REBELIÃO E DA DISSIDÊNCIA
“Eu sublevo-me – portanto, nós existimos.”
~ Albert Camus, O Rebelde
A dissidência
é um assunto complicado.
A necessidade de se
insurgir contra as atrocidades está profundamente enraizada na condição humana.
Mesmo que a maioria de
nós não aja sobre isso, o impulso ainda está lá, agitando as tripas com nojo,
fazendo os nossos corações acelerarem, movendo-nos para cuspirmos palavras
impropérios em fúria espumosa e gritando em tom irritado e desafiador.
O problema é que a
maioria de nós não sabe o que fazer com essa energia poderosa e às vezes
esmagadora.
A maioria de
nós foram criados em sociedades violentas e que usam a violência para manterem
a cultura presa num ciclo diabólico de conquista-controle-consumo redundante.
Dessa forma a maioria de
nós tende a usar a violência para canalizar a nossa profunda e poderosa
necessidade de dissidência, perpetuando assim ainda mais a violência.
Quando a cultura força a
violência pela nossa garganta como uma solução para os seus problemas, podemos realmente ficar surpreendidos quando os nossos atos de
rebelião se tornam violentos?
Algo terá de mudar se
quisermos escapar a este ciclo de violência profundamente enraizado na nossa
cultura.
No seu livro,
“O Rebelde: um ensaio
sobre um homem revoltado”,
Albert Camus escreveu sobre o “verdadeiro rebelde”.
O verdadeiro rebelde
está em revolta contra a opressão, violência, escravidão e tirania por causa
dos outros e através de uma ação construtiva e de afirmação da vida.
O verdadeiro rebelde
protesta por Amor, para que outros possam ser livres.
A intenção é tudo.
A verdadeira rebelião,
argumenta Camus, é um ato motivado, mas preocupado com o bem comum e não com os
próprios interesses.
O rebelde em revolta por
egoísmo, ganância ou necessidade de poder, eventualmente torna-se um tirano.
O rebelde em revolta por
causa dos outros, torna-se um herói.
Se é de
esquerda ou direita, republicano ou democrata, cooperativista ou anarquista, se
busca poder sobre outros para os seus próprios fins egoístas e gananciosos, a
sua revolução significa “que se fodam os outros”.
Você é apenas outro
aspirante a ser um produto do moinho de carne da violência que gera violência.
Não importa o quão nobre
ou importante acha que a sua causa é.
Se precisa de usar a
violência para persuadir os outros a segui-lo, a sua causa é fundamentalmente
imperfeita e imoral.
Atuar violentamente numa
cultura violenta só perpetua a violência.
Da mesma forma, agir de
forma imoral numa sociedade imoral apenas perpetua a imoralidade.
Atos nocivos promovem atos
pouco saudáveis.
Como Gandhi uma vez disse:
“Olho por olho todos ficam cegos”.
Para evitar a
cegueira coletiva, devemos insurgir-nos para que outros possam existir
livremente.
Isso exige que a nossa
dissidência se baseie em liberdade para todos, mesmo para aqueles com os quais
não concordamos.
Uma espécie de
metamoralidade desencadeia-se desde esse tipo de pensamento, como escreve Joshua Greene no seu livro Tribos Morais.
Mas, e este é o cerne da
questão, qualquer liberdade que procure violar o princípio da não agressão não
deve ser tolerada.
A violência é onde a
linha de demarcação deve ser desenhada.
Como alguém disse uma
vez,
“A sua liberdade de puxar do seu punho termina a um
centímetro do meu nariz” (desconhecido).
Nesses casos,
a autodefesa é primordial.
Como Gandhi também
aconselhou:
“Quando existe apenas a escolha entre a covardia e a
violência, eu aconselho a violência”.
Um verdadeiro
rebelde não busca a rebelião por causa da rebelião, ou apenas como a mesma como
uma desculpa para atuar violentamente.
Não.
Um verdadeiro rebelde
busca apaixonadamente um ambiente saudável (fisicamente, cultural e psicologicamente) e revolta-se contra
qualquer coisa que interfira em detrimento desse ambiente saudável.
Como disse Camus,
“A Rebelião, embora aparentemente negativa, uma vez que não
cria nada, é profundamente positiva na medida em que revela a parte do homem
deve sempre ser defendida”.
E é a isso
que se resume: autodefesa, autopreservação e sobrevivência.
Não apenas a
sobrevivência pessoal, mas a sobrevivência das espécies.
É aí que
entra a ação de afirmação da vida.
Quando a nossa rebelião
é afirmativa da vida, afirmando a liberdade e baseada na não-violência, ela é
saudável (heróica).
Quando nossa rebelião é
negadora da vida, negando a liberdade e baseada na violência, é insalubre (tirânica).
O herói é livre e usa
essa liberdade com a intenção da Alma de libertar os outros.
O tirano também é livre,
mas usa essa liberdade com a intenção da Alma de dominar os outros.
Nós escapamos da tirania
quando procuramos libertar os outros através da nossa própria liberdade.
A liberdade coincide com o heroísmo quando deixamos perguntar “livre do quê?” para passarmos a perguntar “livre para quê?”
No final do
dia, a história da nossa cultura de violência só é frutífera através duma
rebelião vigilante contra ela.
Isso significa uma
rebelião vigilante contra a opressão, ódio, a violência e escravidão de todos
os tipos.
Aqueles que se dedicam a
essa cultura de violência não se dedicam a nada e, por sua vez, não são nada.
Mas aqueles que se
dedicam à vida, à liberdade e à saúde, apesar da cultura da violência,
dedicam-se à sobrevivência e colhem dela os frutos que semeiam a sua semente na
evolução progressiva da nossa espécie.
Uma espécie
que se infiltra na violência contra si mesma é insalubre e eventualmente
destrói-se.
Uma espécie determinada
a ser saudável apenas usa a violência como último recurso em autodefesa e para
a preservação da própria espécie.
No primeiro, o
desafiante tirano mostra a sua cabeça feia, declarando-se livre às custas da
liberdade dos outros.
Com o último, o herói
desafiante ergue-se, negando a opressão violenta do tirano e afirmando a
liberdade através da liberdade de todos nós.
Isso é o que Camus quis
dizer quando escreveu:
“Eu sublevo-me – portanto, nós existimos.”
Sobre o autor
Gary ‘Z’ McGee, um ex-especialista da
Inteligência da Marinha que virou filósofo, é o autor de O Fato de Aniversário
de Deus e do Homem que observa através do vidro transparente.
As suas obras são inspiradas
pelos grandes filósofos de todos os tempos e pela sua visão bem aberta do mundo
moderno.
https://pt.prepareforchange.net/2017/10/18/viver-livre-ou-morrer-a-psicologia-da-rebeliao-e-da-dissidencia/
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