segunda-feira, 11 de novembro de 2019

CORINGA NA CIDADE DA SEPARAÇÃO

CORINGA NA CIDADE DA SEPARAÇÃO

Gabriel RL (Neva)
O arquétipo do palhaço, do trickster, contesta a ordem, é o herói trapaceiro, o transgressor, o contraditório, aquele que exterioriza algo íntimo e universal.
Ele é primitivo, exagerado, limitado.
Ele assume sua dor e é capaz de rir dela. Jung diz que essa figura não é propriamente má, porém comete atrocidades devido à sua insensatez, pois é "por um lado superior e, por outro, inferior ao homem”.
Pode ser amado, admirado ou temido pelos outros.
Acima de tudo, o palhaço é uma força, e como todas elas, pode pender para o positivo ou para o negativo.
Quando essa força surge de um lugar de extrema separação e distanciamento do amor, ela pode ser devastadora.
Assim emerge a história do Coringa.
Gotham, a cidade fictícia tão conhecida pelos amantes do entretenimento, é a representação de todos os lugares do mundo em que a população foi levada, por vários fatores, a se afastar dos aspectos da luz.
É onde se vive em total escassez e apatia ao outro, onde o ego impera e as sombras pessoais tomam conta.
Nesse ambiente, somos apresentados a Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um homem quebrado por dentro, com um distúrbio mental, que mora com a mãe, trabalha como palhaço em eventos, e que almeja ser comediante.
Nesse ponto, Arthur tenta ancorar as forças positivas do arquétipo,
desejando trazer felicidade aos outros, mesmo que ela venha por meio de sua dor.
No entanto, há um passado reprimido no personagem, e aliado às ações daqueles que estão perdidos na cidade da velha energia, chegamos onde essa linha do tempo sempre levará: o nascer de um vilão.
Como o trailer do filme anunciava, a trama já nasce cult.
O roteiro é lento, não temos grandes movimentos de câmera e a ação acontece mais em segundo plano.
O filme é Arthur, o objetivo é trabalhar com seus aspectos psicológicos, o que é realizado de maneira primorosa.
A quebra da mente de uma pessoa acontece em estágios, e são revelados todos eles. Sim, temos em mãos um filme perturbante,
mas apenas por conta de mostrar algo real; aquilo que fez muitos pensadores e filósofos se perguntarem se o homem nasce mal ou se a sociedade o torna dessa maneira.
Que fique claro: a responsabilidade das ações de um indivíduo é dele próprio.
No entanto, chega a hora de deixar os argumentos polarizados de lado e assumir também uma responsabilidade pelo todo, sempre com discernimento.
O Coringa é culpa de uma mente com distúrbio?
De um sistema de justiça e de saúde falhos?
De uma mãe que também tinha seus problemas?
De uma sociedade sofrendo no seu cotidiano?
Sim.
Se há um chamado no filme é para nos lembrar de sermos humanos auto-responsáveis.
Afinal, o palhaço tem função de mostrar aquilo que queremos esconder.
Um sorriso, uma ajuda ou um “você tá bem?” pode mudar o dia de uma pessoa e reverberar em esferas ainda maiores.
A Warner apresenta um filme intenso em que Phoenix brilha por completo dentro da escuridão.
O louco, no tarot, entra na jogada para mostrar um novo caminho.
De uma maneira ou outra, é exatamente isso que acontece em Gotham. Será uma longa jornada até a integração.
Autor: Camila Picheth (Equipe Sementes das Estrelas)
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