Na tradição do yoga, encontramos uma metáfora fascinante: diz-se
que o leite de uma leoa é tão potente que nenhum recipiente pode contê-lo,
exceto ouro puro.
Se o recipiente de ouro tiver impurezas, o leite vai corroer o
recipiente como ácido e escorrer.
Da mesma forma, se o praticante tiver muitos vazamentos de
energia, então a energia espiritual (shakti) que é
gerada pela prática iogue simplesmente vazará de novo.
Você
já foi a um retiro de yoga ou meditação que foi tão inspirador e empoderador
que teve certeza de que sua vida mudaria radicalmente, apenas para descobrir
dias ou semanas depois de voltar para casa que todo aquela energia extra se
esvaiu,
retornando-o ao mesmo estado padrão que tinha antes do retiro?
Se sim, você não está sozinho.
Esta é uma experiência muito comum.
Porque a energia vaza.
Depois
de descobrir quais são os principais vazamentos de energia,
você pode começar a consertá-los.
Se conseguir consertar a maioria deles, você experimentará algo
surpreendente: as mesmas práticas de yoga que você tem feito ao longo do tempo
agora parecem gerar muito mais poder, energia,
prāna.
Na verdade, não é que estão gerando mais energia, é você que não
está mais vazando.
Abordar
sistematicamente esses “vazamentos” muda
radicalmente o campo de atuação da prática espiritual.
Claro, pode levar um tempo para consertá-los – mas é um tempo e
um esforço muito bem gastos, que reembolsam seu investimento da forma mais
generosa que possa imaginar.
Então,
quais são os vazamentos de energia
mais comuns?
A lista abaixo segue uma lista criada por Dharmabodhi, professor de Tantra Śākta-Śaiva.
Ofereço aqui minha breve explicação sobre os principais
vazamentos de energia.
1. Exaustão por fazer demais/multitasking
Facilmente
o vazamento de energia mais comum na sociedade atual, fazer demais significa
ter um prato muito cheio, deixando pouco tempo para relaxar, se divertir e para
os vínculos sociais com os quais os humanos evoluíram durante a maior parte de
sua história.
Estes não são apenas necessários para a saúde, criam um
recipiente corpo-mente que pode conter a energia gerada pela prática
espiritual.
Em contraste, um corpo-mente exausto está cheio de “buracos”, por onde a energia é drenada.
Sua mente condicionada pode estar convencida de que você não
pode se dar ao luxo de fazer menos; mas na verdade, você não pode se dar ao
luxo de não fazer menos.
(E, a propósito, se você faz uso
de estimulantes [cafeína,
etc.] todos os dias, você está
exausto, embora possa não se sentir assim).
Como Dharmabodhi diz,
“Acorde do sonho de fazer demais.
Assuma a responsabilidade por sua
vida fugitiva.
Examine de perto o transe
cultural do excesso, exponha-o e sintonize suas próprias energias.
Siga um modo de vida mais simples
e natural, [que na
verdade é] um modo
de vida mais produtivo”
Ah,
e a propósito, por mais orgulhoso que você esteja de sua capacidade de fazer
muitas coisas ao mesmo tempo, agora está provado que o multitasking diminui sua
eficácia em todas as tarefas (veja
o trabalho de John Medina).
Mais
importante ainda, de acordo com a tradição do yoga, para ser saudável e são, é
preciso ter pelo menos quatro horas de folga por dia, pelo menos um dia inteiro
de folga por semana, pelo menos um fim de semana inteiro de folga por mês e
pelo menos três semanas inteiras de folga por ano.
Quando digo “folga”, não
estou dizendo apenas não estar no trabalho – quero dizer não verificar e-mails,
não pensar em coisas para fazer, não fazer nada.
Apenas ser.
Com tempo livre, sem compromissos, a menos que o “compromisso” seja se conectar consigo mesmo, com seus
entes queridos, com a natureza e/ou arte.
Basta olhar as crianças que ainda não se tornaram viciadas em
telas brilhantes, se conseguir encontrar uma: elas exploram o mundo ao redor
delas com admiração, com os olhos arregalados, e a energia criativa delas flui
através de brincadeiras vívidas e imaginativas.
Não devemos perder isso.
Faz parte do nosso estado natural.
Precisamos dessa energia criativa, dessa curiosidade, desse
encanto, para sentir que a vida vale a pena ser vivida.
Você acessa lentamente cada vez mais dessa energia se criar
tempo para uma conexão livre de compromissos.
2. Mal-estar do corpo físico
O
segundo vazamento de energia está, obviamente, intimamente relacionado ao
primeiro.
Quando fazemos demais, desenvolvemos mal-estar (ou
doenças) com muita facilidade.
Quando uma doença se instala, nossa atenção é desviada, vazando
nosso prāna (vitalidade
ou força vital).
Doença é diferente de deficiência; é possível ter uma
deficiência ou uma condição crônica sem ter uma doença.
Tudo depende de como a pessoa se relaciona com a deficiência (por exemplo, o quanto se concentra nela, se
forma uma autoimagem a partir dela e em que estrutura mental a veem).
3. Excesso de reatividade emocional
Este é um assunto delicado de se
discutir.
Como um neurocientista cognitivo
recentemente escreveu:
“A capacidade de regular a força
da resposta emocional de uma pessoa é altamente adaptativa: ela nos impede de
investir muita energia em [certas] coisas.”
Embora
não haja um grau de emoção que seja “demais” na Visão Tântrica, é importante notar que algumas emoções são
geradas ou amplificadas quando se acredita em uma “história” construída
mentalmente sobre alguma situação.
Este vazamento de energia muito comum pode ser descrito como a
perda de contato com sua natureza-essência, sua Presença natural, por meio da
crença em uma história associada a uma forte resposta emocional, que muitas
vezes resulta em jogar sua energia em outra pessoa (geralmente a pessoa que você está culpando pela maneira como
está se sentindo).
Um
bom exemplo de reatividade emocional é quando você fala com raiva, diz certas
coisas e depois quer se retratar (“Não foi
isso que quis dizer!”).
O oposto de reatividade emocional é quando você se senta (move ou dança) com seus
sentimentos, sem possuí-los nem rejeitá-los,
apenas estando com eles como uma forma de energia pura.
Quando suas suposições parecem fatos indiscutíveis e você está cheio de indignações hipócritas, isso é reatividade emocional.
Quando você está
curioso sobre de onde vêm essas emoções intensas e pode rir de si mesmo em
admiração, é o oposto.
Quando você aceita um comentário depreciativo de um colega e entra em um mundo de mágoas, atormentado por repetitivos pensamentos dolorosos
(“Como pode?”, “Que idiota!”, “Não posso acreditar que ele/ela me odeia!”, etc.), isso é reatividade emocional.
Quando você mantém o coração aberto e se permite sentir a dor da
outra pessoa e de si mesmo, sem pegar para si a história dessa pessoa e talvez
até vendo beleza e oportunidade na dor, é o contrário.
O
oposto da reatividade emocional, então, é apenas a Presença humana natural.
Permanecer nessa Presença é o objetivo do caminho.
Assim, emoções fortes podem surgir sem a reatividade emocional
que prejudica você e os outros.
Obviamente, a reatividade emocional merece um workshop só para
ela.
Está intimamente relacionada ao item 9 logo
abaixo.
4. Perder contato com a Presença natural através de
pensamentos/fantasias/devaneios
Aqueles
que têm o costume de habitar o mundo mental dificilmente conseguem imaginar
quanta alegria e vitalidade não são disponibilizadas para eles.
Infelizmente, esta é a maior parte do planeta.
Estar perdido em vikalpas (fantasias/devaneios/imagens mentais) é uma
forma primária de nos divorciarmos da doce e simples permanência em nosso
estado natural.
Aqui estamos falando de:
a) imaginar possíveis cenários futuros em que talvez você seja
mais feliz (fantasia);
b) imaginar possíveis cenários futuros em que talvez você sofra (ansiedade);
c) relembrar apenas das coisas boas do passado, desejando que as
coisas pudessem ser assim novamente (devaneio); e
lembrar dos “erros” do
passado, pensando no que “poderia” ou “deveria” ter feito (arrependimento/culpa).
(Ver pág. 138 do livro Tantra
Illuminated)
Esses quatro são, na visão iogue, simplesmente as formas mais
comuns de insanidade.
Os
humanos são péssimos em prever com precisão como se sentirão em qualquer
situação futura, mesmo quando estão convencidos do contrário (como Dan Gilbert provou), e
também são terríveis em lembrar do passado com precisão (o que você considera serem memórias precisas
são, em grande parte,
expressões de sua psicologia
individual, bem como sonhos tecidos com elementos de experiências passadas).
Uma quinta versão de estar perdido em vikalpas é focar
atentamente em dados de qualquer tipo para amortecer sua angústia existencial
ou para se distrair do que você e os outros estão sentindo.
Alguém fazendo palavras cruzadas, jogando um videogame
desafiador ou lendo todas as notícias do dia pode alegar que está no momento
presente, mas também está “no seu mundinho”
– e, portanto, divorciado
da Presença fluída – tanto quanto alguém perdido em pensamentos de possíveis
futuros ou passados relembrados.
Habitar mundos mentais e realidades imaginadas é um
significativo vazamento de energia para um yogī, e é algo onipresente em nossa
sociedade.
5. Crenças ou opiniões fortes
Está
intimamente relacionado ao item 4.
Pode ser difícil acreditar que isso é um vazamento de energia
até que você experimente por si mesmo o influxo de energia vital que chega
quando finalmente admite de maneira profunda a verdade de que realmente não
sabe de nada com certeza.
Que quase todas as suas crenças e opiniões fortemente arraigadas
são pensamentos de desejo ou de medo.
Que o mundo é muito, muito complexo, e as variáveis muito
numerosas para que nossos pequenos cérebros tenham uma opinião justificadamente
fixa sobre qualquer coisa (além de
sua própria experiência interior, talvez).
Observe que ter crenças/opiniões não é um vazamento de energia;
é se agarrar firmemente a essas opiniões, tendo atitudes inflexíveis e duras,
em vez de suaves e abertas, estando tão convencido de que está certo e de que
sabe como as coisas realmente são
(em oposição à outra pessoa) que é o
vazamento de energia.
A realidade é muito mais do que qualquer um de nós pode ver;
reconhecer isso o ajuda a ser mais suave, mais aberto e, assim,
você se conecta melhor com os outros.
6. Relacionamentos confusos / limites confusos
Como
toda a gama de normas sociais referentes a todos os tipos de relacionamentos
íntimos está em fluxo no século 21, o item 6 é bem
importante.
Claro, quando estamos apenas conhecendo alguém, é normal que a
natureza do relacionamento seja indefinida.
No entanto, ficar muito tempo no escuro, sem ter certeza do que
a outra pessoa quer, precisa ou sente, mas na expectativa de que ela aceite sua
maneira de ver o relacionamento, é um poderoso vazamento de prāna.
Da mesma maneira, ser claro sobre sua posição, mas manter a
outra pessoa no escuro por não querer se comprometer com uma forma específica
de relacionamento, estabelecendo acordos ou limites claros, também é um
vazamento de energia (porque
usar outras pessoas esgota sua shakti).
Obviamente,
a solução é comunicação, mas poucos de nós sabem como comunicar nossos
sentimentos e necessidades sem lançá-los na forma de uma narrativa sobre o que
a outra pessoa está fazendo de errado (ou o que você está fazendo de errado).
O que não ajuda.
Um diálogo esclarecedor contínuo (que não regrida a picuinhas,
pseudoanálises ou acusações) sobre o
que você quer e aceita, e o que seu ente querido quer e aceita, é crucial para
criar uma base forte para relacionamentos que não vazem energia.
Mas
às vezes a solução não é a comunicação; às vezes, você se apega a um
relacionamento que já passou da “validade” por medo
ou apego. Isso é um enorme vazamento de energia
A solução é soltar e ir embora.
Se você precisar de ajuda para isso, pesquise Desacoplamento Consciente.
7. Fala inconsciente/fala excessiva/fofoca
Outro
vazamento de energia muito comum em nossa sociedade, é muito difícil de mudar
por causa da enorme pressão social para se adequar à forma como os outros ao
nosso redor usam a linguagem.
No entanto, a fala excessiva drena tanta energia que, no
Āyurveda,
diz-se que leva a várias formas de doença (principalmente através da exacerbação do
vāta dosha).
Você já notou que os mestres de yoga
e meditação falam pouco e de maneira cuidadosa?
Swāmī Muktānanda disse uma vez:
O poder de suas palavras aumenta em proporção direta ao silêncio
que você mantém
O
ideal seria que, antes de iniciar uma conversa, perguntemos a nós mesmos quatro
coisas, as chamadas Quatro Portas da Fala:
1) O que quero dizer é verdade?
2) É necessário ou útil dizê-lo?
3) Tenho uma maneira amorosa para dizer?
4) O momento é
oportuno?
(Isso ajuda a lembrar os quatro
termos-chave: verdade, necessidade, amorosidade, momento oportuno).
Para saber mais sobre este importante tópico, veja os dois
capítulos sobre “Disciplina ao falar” do livro
A yoga da disciplina.
Então,
como consertar esses vazamentos de
energia?
Sugestões e pistas foram dadas acima, e podem ser complementadas
por meio de sua própria pesquisa, conhecimento intuitivo e da prática com um
professor qualificado.
Particularmente, a tradição do Yoga Tântrico tem
muitas ferramentas para consertar vazamentos de energia.
Há
muito mais que pode ser dito sobre todos esses tópicos do que temos espaço
aqui!
Abaixo, você encontrará outros sete principais vazamentos de
energia, que espero abordar em outro texto.
E se você se identifica com o que leu aqui e quer saber mais, assista a estes vídeos.
Com
base em tudo que recebi de meus professores ao longo de 26 anos, fiz uma lista
das oito armadilhas mais perigosas do caminho espiritual que, quando abordadas,
também são, na minha opinião, as oito chaves para um despertar saudável.
O tópico dos Vazamentos de Energia
constitui apenas um desses oito.
Alguns dos outros são óbvios, como a compreensão distorcida da
relação aluno-professor, e alguns não são tão óbvios, como a falta de
alinhamento entre Visão, Prática e Objetivo, ou
motivo impuro para a prática.
Estas “Oito Grandes Armadilhas”, que
podem se tornar as “Oito Chaves para o
Despertar Sustentável”, são discutidas com mais detalhes neste vídeo.
Outros vazamentos de energia
incluem:
8. Vícios
9. Outros hábitos e padrões de comportamento alimentados e
alimentando ainda mais samskāras
10. Mau uso da energia sexual
11. Submeter-se ao fatalismo e ao uso incapacitante de ferramentas
de adivinhação (por
exemplo, confiar mais em astrologia, tarô ou leituras psíquicas do que em sua
capacidade intuitiva inata)
12. Realização incorreta de práticas espirituais (geralmente devido à instrução incorreta)
13. Tornar-se
“possuído” pela energia e pelos padrões de pensamento
de outros Reinos (“reino”
é um termo técnico na psicologia tântrica)
14. Acreditar
que a visão condicionada da realidade é realmente como as coisas são (ajñāna)
ADVERTÊNCIA IMPORTANTE:
Se você conseguiu consertar os vazamentos de energia, mas não
aprendeu a dissolver autoimagens e não se conscientizou das armadilhas
descritas nos ensinamentos dos Seis Reinos (item 13 acima), então o
grande aumento de energia e poder disponível a você pode aumentar tendências
nocivas latentes, bem como virtudes.
Como Dharmabodhi tão
apropriadamente colocou, “Sem ter
dissolvido o padrão central de como se vê e “sabe” ser (nossa autohistória/conceito) e como se relacionar, o poder liberado
através de shakti sādhanā inflará os já existentes [egóicos] padrões de pensamento, sentimento e ação, muitas vezes causando
danos ao praticante, desviando-o com obstáculos ou
habilidades/sucessos/poderes”.
Isso será abordado em futuro texto intitulado “A prática do yoga automaticamente faz de você
uma pessoa melhor?”
~
Que todos os seres percebam sua liberdade! ~
Autor: Christopher Wallis
Fonte: https://hareesh.org/
Fonte secundária: https://eraoflight.com/
Tradução: Sementes das
Estrelas/Mariana Spinosa
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