segunda-feira, 4 de março de 2013
Dando prosseguimento
ao nosso tema da semana passada, quando tratamos do espírito
crítico e o espírito
da crítica, vamos abordar um dos
pontos medulares da demarcação entre ciência e não
ciência que é o ceticismo científico cujo motor
principal é o pensamento crítico.
O termo ceticismo
derivado do termo grego sképtomai, que significa “olhar à distância”, “examinar”, “observar” fundamentou-se na
premissa da própria impossibilidade humana de obter certeza absoluta a respeito
da verdade, daí o fato de não se aceitar explicações sobre a realidade que não
possam ser comprovadas experimentalmente ou persistirem incólumes quando
examinadas sob a ótica de um profundo senso crítico.
o ponto de
vista científico essa postura questiona de forma constante e metódica a
veracidade de qualquer alegação, buscando permanentemente os argumentos
necessários que possam ou corroborá-las ou invalidá-las.
Evidentemente
esse processo é realizado sempre de acordo com o método científico, tendo em
maior instância a aplicação do próprio princípio da falseabilidade proposto por
Karl Popper no início do século
XX.
Em muitas discussões
acaloradas, é comum usar-se o termo “cético” até como tentativa de
depreciação denominando o alvo do ataque como sendo um sujeito de “mente fechada”.
Aliás, o principal
defensor do ceticismo científico, Carl Sagan (foto)
acima cunhou uma máxima a
esse respeito:
“Você deve manter sua mente
aberta, mas não tão aberta que o cérebro caia”.
Daí o rigor com qual
devemos avaliar as “conclusões” que são
sacramentadas apenas pelo senso comum ou ideias equivocadas tidas como verdades
inquestionáveis há séculos, simplesmente porque fazem parte de uma antiga
tradição.
O termo cético foi bem vivido e bem utilizado pelo eminente químico
inglês Robert Boyle.
Seguindo o exemplo
de Galileu, Boyle
escreveu, em 1661, o livro “O
químico cético” em forma de
diálogo, no qual critica a visão aristotélica de mundo e defende a teoria
corpuscular da matéria.
Um dos grandes méritos desse livro foi trazer para a Química uma
visão lógica da natureza.
Ele mesmo disse:
“Até
hoje os químicos sempre pensaram que seu trabalho fosse limitado à preparação
de beberagens ou à transmutação dos metais.
Em vez
disso, eu procuro considerar a química de modo diferente, não como poderia
fazer um médico ou um alquimista, mas como um filósofo.
Se os
homens pensassem no progresso da ciência mais do que em seu próprio vício de
pensar, facilmente se convenceriam a confiar na observação, e a não enunciar
uma teoria sem antes haver feito ensaios e experimentações do fenômeno a que
essa teoria se refere.”
Ele defendia a ideia
de que os pressupostos fundamentados nos argumentos de autoridade e na tradição
deviam dar lugar aos fatos experimentais e à comprovação e de que não devíamos
aceitar os dogmas assim tão facilmente.
Naquela época defendia-se que toda a natureza era construída por
quatro elementos: terra,
forro, água e ar, ideia fundamentada
no argumento de autoridade do grande filósofo Empédocles que viveu no
século III aC.
Ora, era evidente
para qualquer estudioso nascido em 1600 que a madeira, por exemplo, era formada
pela conjugação de fogo + terra + água + ar.
Quando se planta uma
árvore ela se fixa na terra, usando-a em seu desenvolvimento juntamente com a
água e o ar, produzindo, assim, a madeira.
Quando se incendeia
a lenha, o fogo, que também compõe a madeira, é então libertado.
Simples, não?
Porém, completamente
errado!
Essa explicação da
natureza persistiu por quase 2200 anos desde sua concepção.
Por quantos séculos
mais, essa ideia criada por Empédocles, adotada por Aristóteles e depois defendida
pela Igreja Católica seria ainda
sustentada como verdadeira, não fossem os esforços de
céticos como Robert Boyle?
O ceticismo é um dos mecanismos de proteção que a ciência dispõe
contra a sua própria falibilidade.
Por essa razão faz
parte inseparável do método científico.
Todo o
cientista tem obrigação de ser cético.
E como já dissemos,
seu principal motor é o espírito crítico.
Saber criticar é saber defender-se do erro, do engano e da
fraude.
Evidentemente o
livre pensador pode tornar-se inconveniente quando a mira de seu ceticismo
científico não se limitar mais ao seu laboratório.
Quando, por exemplo,
os produtos anunciados na TV, desde terapias milagrosas para emagrecer até a
plataforma de políticos em campanha passassem a ser examinados pelo senso
crítico de um cético de plantão, as coisas poderiam se complicar um pouco.
Existem muitos
argumentos de autoridade que não sobreviveriam e muitas autoridades com
argumentos que poderiam não gostar muito dessa tal liberdade de pensar.
Ou não?
Mustafá Ali Kanso
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