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A culpa é dos pais que não educam os filhos, do Estado que não investe
devidamente na educação, dos alunos que não têm mais respeito, dos
professores despreparados, das aulas "nada a ver"... Na eterna necessidade
de transferir responsabilidade, toda a sociedade adoece. Dados recentes nos
dão conta que dos 55 mil professores da rede de São Paulo, 16 mil (30%)
foram afastados por motivos de saúde. Cresce concomitantemente o número
de alunos com os mais variados distúrbios e disfunções, oriundos de famílias
também fragmentadas e enfermas. Vivemos dominados pelo vício da
transferência que a todos debilita.
Ao filósofo existencialista Jean-Paul Sartre é atribuída a famosa frase:
"o inferno são os outros". Segundo Sartre, ao dependermos demasiadamente
dos julgamentos e das ações dos outros, abrimos mão de nossa liberdade
essencial e criamos nosso próprio inferno. Queimamos assim na fornalha
alimentada por nossos próprios medos, pelos nossos "demônios" internos,
pela incapacidade de autonomia. Para o filósofo francês, portanto, os
outros não são necessariamente os causadores do nosso sofrimento;
somos nós que transformamos o outro em carrasco de nossa tortura.
Somos geralmente ágeis em transferir a outrem as causas de nossas
inseguranças, irritabilidades, desconfortos, carências, infortúnios, mágoas,
stress, descompensações, explosões de ira, enfim nossa carência de Paz.
No entanto, por mais que creiamos que "o inferno são os outros" é dentro
de nós que ele queima.
"Os outros", com os quais somos "obrigados" a conviver como o patrão,
sócio, colega de trabalho, vizinho, cônjuge, pais, filhos ou irmãos, entre
outros, se não existissem ou se não se comportassem como se comportam,
a vida seria um mar de rosas, o próprio céu; teríamos paz. Alucinamos!
Para muitos ainda, o inferno não são os outros e sim a solidão emocional,
intelectual, espiritual e relacional na qual se vêem mergulhados.
Na verdade, o outro realmente problemático que enxergamos, projetado
no próximo, mora dentro de nós. Trata-se de outro que existe em
desarmonia com o Eu, um ego desvirtuado e fragmentado em desarmonia
com o Self, com a essência divina que habita todos os seres, humanos ou não.
Gosto da história da mulher que olhava através do vidro de sua janela as
roupas mal lavadas da vizinha. Ela não poupava comentários maldosos,
até o dia em que lavou sua própria janela e, como num passe de mágica,
percebeu que as roupas da vizinha eram muito bem lavadas. Há mais de
2000 anos Jesus já recomendava: " Hipócrita! Tire primeiro a trave que
está no seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no
olho do seu irmão." Tal ensinamento do Mestre me faz lembrar o dia que
troquei uma lâmpada de 40 por uma de 100 watts em meu banheiro e
passei a perceber que havia nele muita sujeira. Quando iluminamos
melhor o nosso próprio interior percebemos que precisamos, e muito, de
nos limpar.
Desde tempos imemoriais que alimentamos o vício de transferir para o
outro as causas do nosso inferno pessoal. Tão antigo quanto o mito cristão
de Adão e Eva, e certamente muito antes, é a reativa compulsão que nos
leva a transferir responsabilidades e, sobretudo, não admitir que os infortúnios
pessoais e alheios são sim de responsabilidade nossa. Com tais padrões
comportamentais, cobrimos o planeta de mútuas, infindáveis e sombrias
acusações; caminhamos em círculo, não evoluímos, não expandimos a
consciência.
Assim, "Adão" e "Eva" continuam a se acusar mutuamente no tempo e
no espaço. Sobre algum "bode expiatório" improvável despejam-se doentias
culpas. Sobre um "cristo" divino ou humano acreditamos ser possível
transferir densas e consteladas sombras. Sob alguma areia inconsistente,
insiste-se em enterrar a cabeça, desconsiderando-se a insanidade de
tal ato e a vulnerabilidade a que se está exposto.
Lembrando Freud, infelizmente, tais mecanismos de sobrevivência
como negação, repressão, supressão, projeção ou racionalização, ainda
que ajudem a sobreviver, estão longe de proporcionar acesso aos oásis
de uma vida abundante. Foi, no entanto, para esta dimensão abundante
de vida que o Mestre Jesus nos desafiou com sua própria vida e
ensinamentos.
Mas como sair deste ciclo vicioso, desta forma-pensamento tão
fortemente instalada no inconsciente individual e coletivo? Como nos
livrar deste terreno empedernido, semeado de culpas, fugas, acusações
e medos de onde germinam os frutos dos quais nos alimentamos e
intoxicamos? Como desprogramar este robô formatado por crenças
que nos subjugam a partir de comandos oriundos do subconsciente?
Assumindo 100% de responsabilidade.
Enquanto não assumirmos 100% de responsabilidade, continuaremos
a conviver com uma educação distante do ideal; com políticos corruptos,
oportunistas, despreparados e incompetentes. Com líderes religiosos e
espiritualistas estelionatários, com noticiários respingados de sangue e
das mais variadas expressões de miséria, alem de infindáveis conflitos
internos e externos.
Assumir 100% de responsabilidade é entender que aquilo que vemos
acontecer fora de nós é simplesmente projeção de uma realidade que
está dentro de nós pois, admitamos ou não, somos todos Um.
Significa no dizer do Mestre, "andar a segunda milha", ou seja, derrubar
os muros do ilusório isolamento que buscamos erguer pela transferência
da culpa, passando a caminhar amorosamente ao lado de quem, segundo
o nosso entendimento, nos impõe limitações e sofrimentos. Nem sempre
esta caminhada ao lado precisa ser física mas deve ser sempre próxima
ao coração. Só assim estaremos buscando diluir as sombras que
enxergamos nos outros, na Luz que em nós precisa existir.
Significa, ainda, lembrando o Mestre, "dar a outra face". E aqui faz-se
necessário baixar a guarda da reatividade. O que se propõe é responder
com silêncio amoroso o grito rancoroso; colocar na bandeja da maldade o
cálice da bondade; acolher na mansidão os atos de agressividade; iluminar
com a face do amor os caminhos sombrios do ódio. Dar a outra face,
portanto, é diluir na Luz interior as trevas exteriores, é agasalhar no calor
da reconciliação a frieza das guerras conscientes que a face dura e gélida
do mal só derrete e aquece na magia do Amor.
Assumir 100% de responsabilidade é colocar em prática o princípio da
semeadura e colheita como disse Jesus: "tudo quanto, pois, quereis que os
homens voz façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e
os profetas". Neste princípio está implícito tudo o que é mais significativo
na expansão da consciência, no desenvolvimento da espiritualidade, na
saúde existencial e relacional.
Assumir 100% de responsabilidade não significa se culpar e sim
transformar.
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