Texto longo mas de imenso valor para
todos que se interessam pela espiritualidade, pela mudança comportamental e por
uma revolução da consciência humana.
"Eis por que a meditação é uma
forma de revolução psíquica.
A crise está na psique e, portanto,
tem de ser resolvida na psique."
Meditação e concentração do livro "Meditação - Uma maneira de viver de Vimala Thakar”
Palestra realizada em Matheran, a 29
de novembro de 1971
Esta manhã, pediram-me para falar
sobre a meditação.
Como há pessoas nesta reunião que não
estão familiarizadas com a oradora e com sua forma de expressão, com o seu modo
de falar a língua inglesa, eu gostaria de pedir, logo de início, que sejamos
muito cuidadosos com o uso das palavras e também com o ato de escutar.
Cada palavra tem uma associação de
idéias e de emoções.
E extremamente difícil encontrar uma
palavra, em qualquer língua do mundo, que não esteja impregnada de associações.
Ora, a palavra "meditação" tem uma variedade infinita de associações, e eu gostaria, portanto, de
solicitar a todos que prestem atenção especial às conotações da palavra.
Eu não vou usar a palavra "meditação" como derivada do
verbo "meditar a respeito de", "meditar sobre".
Na língua inglesa, "meditar" significa
uma atividade mental ou cerebral na qual há uma relação de sujeito e objeto.
Eu, um indivíduo, cogito acerca de,
medito sobre algum objeto,
algum ponto predeterminado por mim, ou
por alguém mais, para mim.
Nesse sentido, "meditar" seria focalizar a
atenção exclusivamente sobre um ponto predeterminado, por um certo tempo, e
envolveria esforço consciente para manter a atenção, para focalizar a atenção
nesse ponto.
Assim, as pessoas estão prontas a
acreditar que a meditação é uma atividade mental para enfocar toda a atenção em
algum ponto, e mantê-la ali tenazmente.
Essa atividade mental deveria ser
chamada "concentração" e não "meditação"
Na língua sânscrita, há duas palavras
diferentes: dharana e dhyana.
Dharana significa manter,
conservar a atenção, cujo equivalente,
em inglês, é a palavra concentration [concentração].
Procurarei traduzir para a língua
inglesa as conotações do termo dhyana.
Vou usar a palavra "meditação" como uma palavra paralela, em inglês, à palavra sânscrita dhyana.
Dhyana,
ou meditação, é um estado de ser no qual existe uma percepção sem esforço, sem
escolha, do que a vida é em si e ao seu redor.
E, portanto, um estado de ser, não uma
atividade.
Há um mundo de diferença entre os
dois.
A pessoa pode desabrochar nesse estado
de ser.
Em outras palavras, a meditação é um
modo de viver em atenção dinâmica, numa percepção dinâmica do que a vida é; é
um movimento desinibido, descondicionado da consciência individual,
em harmonia com o ritmo da vida
universal.
Portanto eu gostaria de escoimar a
palavra "meditação" de uma série de associações.
Trata-se de um movimento não-cerebral,
de um movimento da consciência individual, mas não do cérebro condicionado, não
daquela parte do cérebro que é inibida pelo condicionamento através da
educação, da cultura, da civilização e do conteúdo sócio-econômico da vida, O
cérebro, que é um órgão físico - uma parte do organismo biológico-, é tão
condicionado quanto o resto do organismo físico.
Há padrões cerebrais de comportamento.
Há uma espécie de corpo cerebral
cristalizado- um corpo psicológico.
Ele é invisível e se expressa através
de palavras, através de movimentos físicos, etc.
A meditação é um movimento não-cerebral
da consciência humana,
em harmonia com o ritmo da vida
interior, da vida exterior e daquilo que a cerca.
Não pode ser um meio para um fim.
A concentração pode ser um meio para
um fim.
A concentração pode relaxar os nervos,
tranqüilizar a psique perturbada, criar um equilíbrio químico no corpo,
estimular os poderes latentes da mente e experiências não-sensoriais.
Tudo isso pode ocorrer através da
concentração.
E as pessoas que vivem numa sociedade
altamente industrializada,
experimentando uma tremenda fadiga
nervosa todos os dias,
vivendo sob uma variedade de tensões,
de pressões neurológicas e químicas, sentem necessidade mesmo da arte da
concentração para desenvolver poderes, adquirir experiências, afinar e elevar a
sensibilidade, refinar e sofisticar os órgãos cerebrais.
Se a pessoa deseja isso, pode seguir
esse caminho.
Tal concentração, resultando no
desenvolvimento de poderes, pode não levar a uma transformação radical na
qualidade de vida.
Pode não ter nenhum valor para a base
da nossa relação com outros entes humanos.
Portanto a concentração pode estimular
poderes, experiências,
tornar uma pessoa poderosa; e os que
estão perturbados, os que estão cansados dos prazeres sensuais, os que vivem em
segurança econômica e política gostam realmente de viajar e vagar no astral, no
oculto , para obter experiências não-sensuais, para adquirir poderes
transcendentais, e assim por diante.
Trata-se de um jogo no mundo psíquico,
e o espírito de aventura cria uma compulsão interna para buscar essas
experiências.
Não há nada de errado nisso, uma vez
que a pessoa esteja bem esclarecida em relação ao fim que tem em vista.
A vida é para aventuras e
experimentações.
A concentração não tem nada a ver com
religião, com espiritualidade, com a descoberta da verdade, com meditação, com
libertação ou Nirvana.
Ela se encontra absolutamente na
direção oposta -fortalecendo a consciência do eu, aumentando a sensibilidade da
consciência do eu,
alargando a esfera das experiências e
aprofundando a esfera da penetração cerebral.
Portanto a pessoa tem de esclarecer a
própria mente sobre o que a meditação realmente significa.
Não há o que romancear a respeito
disso.
Trata-se de uma transcendência do
cérebro condicionado.
Trata-se do despontar de uma pessoa
numa dimensão de consciência inteiramente nova, onde o próprio experimentar
chega a um fim; onde o experimentador, a consciência do eu, a consciência do
ego, é mantida em completa inatividade; onde as fronteiras de tempo e espaço,
nas quais a consciência do eu se move, de momento a momento, se desvanecem no
nada; onde a dualidade chega a um fim e a relação fragmentária de sujeito/o bjeto
com a vida cessa completamente.
A não ser que sinta uma compulsão para
descobrir o que está além da mente, a não ser que se sinta impelida para descobrir
o que esta além do cérebro condicionado, o que está além do ato de observação e
do observador, do pensamento e do pensador, do que está além do espaço e do
tempo, do que está além de todos esses símbolos, do que está além das maneiras
cerebrais de comportamento; a não ser que haja uma paixão inata para achar,
para descobrir por si mesma, a pessoa não estará preparada para viver de uma
forma meditativa.
A meditação é todo um modo de viver;
não uma atividade parcial ou fragmentária.
Não sei se existe uma maneira oriental
ou ocidental de considerá-la.
A vida não é nem ocidental nem
oriental.
A vida é pura existência.
Ela apenas é.
Os limites de raça, país e religião,
as fronteiras de tempo e espaço são absolutamente irrelevantes para a vida e o
viver.
E, então, sinto acaso uma compulsão
para descobrir o que é tempo,
o que é espaço e o que está além
disso; o que é mente, o que é pensamento, e o que está além?
Sinto acaso uma compulsão - não como
uma reação às frustrações,
aos insucessos ou desapontamentos da
vida; não como uma reação à ambição aquisitiva, para obter algo diferente da
aquisição material,
econômica ou política?
Se sé trata de uma reação às ambições,
frustrações ou fracassos na vida, então a busca me conduzirá somente até onde
me leve o impulso da reação.
Eu terei de ultrapassar o ímpeto do
desapontamento, da frustração,
ou da ambição.
E, portanto, absolutamente necessário
possuir a chama pura, sem fumaça, da investigação, que é a compulsão para
achar, para descobrir, para aprender, não para qualquer outro fim senão pela
própria plenitude de descobrir o significado da vida; pela graça, pela alegria
que está inerente a tudo isso.
Quando existe essa chama de indagação
para aprender, para descobrir, para ver, paraprocurar, pela alegria em si, as inibições
dos motivos, das intenções e ambições fenecem.
Tal estado não-motivado é vitalmente
necessário no começo do descobrimento.
Como vocês sabem, cada motivo cria uma
inibição e carrega um medo em sua própria sombra.
Cada ambição carrega no seu ventre o
medo do insucesso e da frustração.
A pessoa tem que se preparar para o
estado de meditação, para o estado de indagação pura.
Uma investigação genuína é
absolutamente necessária; este é um ponto a ser enfatizado ao máximo.
A indagação não só elimina a inibição
dos medos reprimidos, mas uma indagação genuína cria a flexibilidade da
humildade - não a rigidez da ambição.
A consciência do eu é muito rígida.
Assim, a brandura, a flexibilidade,
que vão nos ajudar muito, serão imprescindíveis.
O destemor não pode surgir, a não ser
que haja a flexibilidade da humildade.
Vocês sabem como as crianças são
flexíveis e ternas.
Todo o seu ser é uma chama de
interrogação.
Olhem para os seus olhos, seus
movimentos; elas querem aprender e crescer.
A humildade libera uma energia que não
é nem física nem cerebral.
Eis por que eu gostaria de chamar a
atenção de vocês para a dimensão da humildade que acompanha uma busca genuína.
A brandura, a flexibilidade liberam
muitas energias latentes - a muscular, a nervosa, a glandular, a cerebral e a
não-cerebral - que estavam enclausuradas e bloqueadas devido à rigidez da
consciência do eu.
Elas são liberadas no momento em que
somos flexíveis no espírito de indagação, e desejamos conhecer, descobrir,
aprender através dos olhos, dos ouvidos, do nariz, através de cada nervo do
ser.
Estar no estado de indagação é estar
no estado de bem-aventurança,
porque a indagação irá explodir na
realização.
A realização, ou a descoberta, nada
mais é que o amadurecimento dessa indagação.
A indagação e a realização não são
duas coisas separadas.
A pessoa é abençoada se está
interessada numa indagação genuína,
não numa indagação falsa, nem numa
atração, fascinação ou excitação intelectual ou emocional.
Não há excitação num verdadeiro
pesquisador; há uma profundeza de intensidade, não a superficialidade da
excitação entusiástica.
A excitação, o entusiasmo, o estímulo
das emoções e dos sentimentos perturbam o equilíbrio químico do ser.
Portanto é preciso assentar a base
correta desse estado de meditação, no qual o mecanismo físico e biológico da
pessoa está em equilíbrio químico e relaxamento nervoso.
Eu me pergunto se vocês já observaram
como as crianças, na idade entre 3 e 6 anos, e aquelas acima dessa idade,
aprendem.
Vocês as observaram nas classes, no
lar, quando fazem os deveres de casa, o modo como se sentam, como tocam a
lousa, a delicadeza, a flexibilidade e o desenvolvimento gradual e a
manifestação da rigidez de seus modos, conforme elas
vão avançando em anos?
O pesquisador é como uma criança
flexível eterna.
Ele é vulnerável ao toque da vida,
está exposto, de qualquer ângulo,
à realidade da vida, sem qualquer
mecanismo de defesa.
Na criança, o mecanismo de defesa não
funciona, exceto no nível físico; no nível psicológico, a criança está exposta
às vibrações da vida.
Do mesmo modo, o pesquisador está
exposto às vibrações da vida.
Por certo, a meditação requer que a
pessoa esteja sadia de corpo e mente.
Ë por isso que a cultura ioga física,
a ioga pranaiama - que ajuda a oxigenar o sangue - e as asanas - que ajudam a
manter todo o corpo,
os sistemas todos, muscular, glandular
e nervoso, numa condição muito flexível e branda - são necessárias.
O desabrochar numa dimensão
não-cerebral é precedido pelo encontro com a mente condicionada, com a mente
consciente, a subconsciente e a inconsciente; e não é fácil passar por esse
encontro, a não ser que se tenha a força do aço nos nervos.
Se não, a pessoa pode fracassar e o
sistema nervoso pode ser destruído.
Enfrentar face a face o conteúdo do
subconsciente e do inconsciente,
as discrepâncias, as deficiências e as
deformações neuróticas em nossa maneira de comportamento não é fácil.
É necessária uma força tremenda para
passar por esse encontro.
Eis por que é preciso assentar as
fundações corretas e ter um organismo físico puro e saudável.
Do contrário, o mais leve encontro
pode excitar e provocar as lágrimas, a ansiedade, a dança ou o choro.
Todos esses acontecimentos são
causados pela incapacidade de o sistema nervoso suportar o encontro.
Como temos que examinar tantas coisas
em tão curto tempo, só lhes posso falar a respeito dos fundamentos.
Pessoas há que se precipitam em
despertar poderes, sem equipar seus sistemas nervoso e muscular com a força da
pureza, sem assentar a base de uma ordem interna.
Elas se lançam a estimular poderes e
experiências, seja através de drogas para a expansão da consciência, como o
LSD, a mescalina e outras, ou cantando mantras, concentrando ou aceitando a
ajuda de alguns tantras, e se viciam em shaktipat para estimular e despertar a kundalini
e abrir os chacras.
Qualquer que seja o caminho que sigam,
se elas se lançam a estimular poderes sem equipar seu sistema nervoso com a
força da pureza, elas se lançam em algo muito perigoso, nada científico.
Por isso, a minha primeira advertência
é: assentar as bases corretas.
Precisamos descobrir se este corpo,
este belo, complexo e magnífico instrumento que temos, encontra-se em estado de
suportar a intensidade da meditação, desse movimento desinibido da consciência
em harmonia com a consciência universal.
A intensidade desse movimento
desinibido não pode ser comparada com a intensidade dos pensamentos e das
emoções.
Estes são movimentos cerebrais, são
pulsações, e têm sido medidos e controlados.
O movimento da meditação, o infinito
movimento da vida, tem um impulso de natureza inteiramente diversa. e
qualitativamente diferente do movimento de impulsos tais como o desejo sexual,
o apetite, o sono.
Os pensamentos, as emoções, os
sentimentos têm o seu próprio movimento, o seu próprio mecanismo incorporado ao
sistema, em reflexos biológicos.
A meditação tem um "momentum" qualitativamente diferente dos pensamentos.
É muito mais intenso; sua profundidade
e sua intensidade não podem ser medidas pela mente.
Eis a razão por que esta base da
purificação de todo o sistema é absolutamente necessária; não num sentido
puritano, mas com o auxílio de uma abordagem científica.
Tudo isso tem de ser descoberto pela
própria pessoa; não é possível padronizar regras e regulamentos para todos os
seres humanos,
Tomando-se por assente que já se tenha
conseguido isto, o segundo passo consiste em familiarizar-se com o movimento da
mente.
O movimento físico, ou a capacidade
para o movimento físico, não constitui uma barreira no caminho da meditação,
mas o movimento cerebral pode ser um obstáculo; assim, é preciso que se entenda
o que é a mente.
É preciso familiarizar-se com a
anatomia da mente, com a química dos pensamentos e das emoções; como um
pensamento se move;
como os reflexos se movem, como eles
controlam a nossa percepção,
as nossas reações às situações, como
eles governam as nossas relações com as outras pessoas.
E para isso é preciso aprender o que é
observação.
Se eu sou um experimentador, então
estarei envolvido no processo de experimentar e não serei capaz de vigiar o
movimento da mente.
Portanto e preciso aprender a ciência
e a arte da observação: não interpretar, não analisar, não comparar, não
julgar, mas ter a percepção do movimento da mente, da mesma maneira que temos a
percepção do pôr-do-sol.
Enquanto estivemos sentados por poucos
minutos em silêncio, vocês devem ter notado o choro da criança.
A mente resistiu a ele?
Se a mente resiste, então há um
atrito, e o atrito resulta numa reação.
Assim, a resistência leva ao atrito e
o atrito resulta em contrariedade, irritação, e então perde-se o estado de
observação.
Toda reação nasce de uma resistência.
Não existe reação se não há
resistência à vida; assim, não cabe resistir, nem experimentar, sendo a
experimentação uma forma muito sutil de resistência.
Notaram vocês, alguma vez, as resistências
aos acontecimentos da vida?
Eles são convertidos em experiências
porque a emoção cria uma resistência, uma divisão.
Vocês querem interpretar o
acontecimento, identificá-lo,
reconhecê-lo, avaliá-lo, dar-lhe um
rótulo e pô-lo na memória,
debaixo de uma categoria, a fim de que
a experiência lhes seja útil para posteriores interpretações dos
acontecimentos.
A pessoa quer ter defesa, e as
experiências são uma parte do mecanismo de defesa, da mesma forma que o
conhecimento.
A pessoa tem medo de se expor à vida,
de viver num estado de inocência, de absoluta e incondicional vulnerabilidade
ao toque puro da vida como ela é, e deixar que as respostas venham.
A pessoa quer cultivar resistências,
adquirir respostas em forma de experiências, guardá-las na memória, a fim de
que possa abrir a gaveta ou o arquivo da memória, reportar-se a ele, logo que
surge um desafio, e buscar a resposta condicionada.
A memória é uma espécie de saldo
bancário.
Assim como as pessoas querem um saldo
bancário na forma de dinheiro, elas querem um saldo bancário na forma de
experiências;
não importa se compram, se pedem
emprestadas ou se roubam experiências!
Vocês notaram o crescimento desequilibrado
do homem?
Ele sofisticou o cérebro e perdeu a
elegância da simplicidade; perdeu a capacidade de olharas coisas sem um motivo,
inocentemente, sem converter o ato de observação e o objeto da observação em
meio para algum fim.
A elegância, a beleza da simplicidade
e da inocência estão perdidas para o homem.
A pessoa tem que florescer na
vulnerabilidade, na ternura, na flexibilidade da meditação; então o homem será
digno desse nome.
Hoje, todos nós nos tornamos
desequilibrados.
Eis por que existe tanta
esquizofrenia.
O homem vive mais ou menos num estado
de neurose.
Nossas respostas são inibidas, nossas
percepções condicionadas. Não há espontaneidade na vida.
Há apenas um processo mecânico de
reação, de acordo com o condicionamento, a tradição, as ambições pessoais, os
motivos, etc.,
etc.
A beleza da ação está perdida.
A espontaneidade também está perdida.
Portanto hoje a meditação tornou-se
relevante para a vida, para ajudar o homem a se descondicionar, para ajudá-lo a
ver o quanto ele se tornou neurótico, para estimular nele o desejo de se
desenvolver numa dimensão de consciência inteiramente nova.
Consequentemente, toda pessoa tem de
aprender a observar os pensamentos conforme eles surgem, tem de devotar algum
tempo a isso, sentando-se sossegadamente - se você se senta à maneira oriental
ou ocidental, isso não vem ao caso.
O único requisito é que a coluna e o
pescoço estejam eretos, a fim de que o ritmo da respiração e a circulação do
sangue não sejam perturbados.
A pessoa tem de estar a sós, quieta,
por algum tempo, para observar o movimento do pensamento, para entrar num estado
de observação.
Ela tem de aprender isso, porque, no
momento em que se põe no estado de observação, o antigo hábito de introspecção,
de avaliação,
surge.
Mesmo numa fração de segundo, o estado
de observação pode ser dissipado; você se torna juiz, agente, experimentador.
Dia a dia, a pessoa tem de se
auto-educar.
Chame você isso de disciplina, sadhana
ou autocontrole, ou qualquer outro nome de que goste, o fato é que a pessoa tem
de passar por essa educação de si mesma, aprendendo como observar.
No começo, por uma fração de segundo,
há o estado de observação e,
então, o experimentador se intromete,
e o estado de observação se dissipa.
Isso acontece muitas vezes e pode
continuar assim por algum tempo.
Não é fácil esse estado de observação
onde você não faz nada, onde você não está nem se abandonando, nem fazendo
coisa alguma, nem ativo, nem inativo; onde a atividade mental dualista é
mantida em suspenso e só a observação é ativa, não ocorrendo o mesmo nem com o
agente nem com o experimentador.
Então esse estado de observação começa
a permear as horas de vigília.
Se você está cozinhando, se vai ao
escritório ou enquanto está conversando, o estado de observação permeia todas
as atividades das horas de vigília.
Quando o estado de observação se
mantém nas horas de vigília, a pessoa se torna constantemente cônscia, de manhã
à noite, dos desafios objetivos - as árvores, os pássaros, os sons, os
edifícios em volta e o tráfego que se move na rua.
A pessoa se torna consciente da
situação objetiva - intensamente consciente; atualmente, nós não estamos
conscientes; não estamos atentos, mesmo quando tomamos as refeições, quando
usamos as roupas; estamos simplesmente flutuando na espuma da desatenção,
da distração, das perturbações;
executamos apaticamente todas as atividades do dia, do sono, do despertar, e as
coisas nos escapam.
Estamos atentos somente para os nossos
motivos, e, portanto, nossa percepção é desviada por esses motivos.
Assim, a cada momento, é dada atenção
apenas a uma parte da percepção; mas, quando o estado de observação se mantém,
a sensibilidade aumenta e, de manhã à noite, você está muito mais atento do que
antes.
Primeiro, não havia consciência do
fato.
A percepção e a atenção apareciam
ocasionalmente a você.
Agora você está constantemente
consciente, constantemente atento,
a atenção é intensificada, a
sensibilidade é aguçada e se torna ágil.
Você está a par do que está
acontecendo exteriormente, bem como do que está acontecendo interiormente.
Se o estado de observação não resultar
nessa consciência ágil, na sensibilidade intensificada e na atenção acurada,
então não estamos observando; estamos apenas passando para algum estado
entorpecido de consciência.
Isso não é observação, não é silêncio.
A observação abre novas avenidas de
energia, novas avenidas de atenção e percepção, de modo que o estado de
observação,
permeando as horas de vigília, resulta
numa decolagem da consciência.
Antes, tínhamos a percepção apenas de
um fragmento do objeto,
qualificado e modificado pelos nossos
motivos, e as reações também eram condicionadas pelos motivos.
Agora, vejam o que acontece: a pessoa está a par da total unidade da percepção, sem motivo, sem
inibição alguma.
Você tem a percepção simultânea dos
dois: para isso, tem de haver uma decolagem
da consciência do estado anterior de desafio e reação.
O impulso da mente subconsciente - de
raiva, de ciúme, de repressões do pensamento, surgindo em forma de reações -
está lá,
mas ele perde o seu aguilhão, perde o
poder sobre você de deformar e torcer as suas reações.
Se e quando o estado de observação
permeia as horas de vigília, ele começa então a se infiltrar no que chamamos de
sono.
O estado de observação, que se
infiltra até no sono profundo, que se infiltra através dos sonhos, é algo
maravilhoso - estar consciente do sono, como você está das horas de vigília - e
isso não é poesia, é um fato.
Acontece mesmo.
A meditação éo repouso do sono
profundo nas horas de vigília.
É uma percepção sem esforço, tanto do
sono como das horas de vigília.
As horas de vigília e de sono causam
um movimento porque deixam de ser duas dimensões diferentes.
Consequentemente, o estado de
observação é então mantido dia e noite, e somente quando ele se mantém assim é
que o conteúdo do subconsciente começa a surgir e a dar sugestões, na forma de
visões e de experiências diferentes.
Contemos em nós o conhecimento e a
experiência de toda a humanidade.
Os psicólogos ocidentais, a começar
por William
James, Freud,
Jung, Adler e James Martin,
descobriram o que acontece nas camadas mais profundas da consciência.
Toda a experiência e o conhecimento da
humanidade, a despeito das raças, estão contidos na consciência individual.
Quando o estado de observação se
mantém, essas experiências brotam, manifestando-se, para serem expostas àsua
atenção, à sua observação, enquanto os poderes ocultos da psique - tais como a
clarividência, a visão de acontecimentos passados ou a de acontecimentos
futuros, a telepatia, a leitura de pensamentos, etc.
- começam a se manifestar.
Todos esses poderes tornam-se
possíveis.
Essas exigências internas,
não-sensuais, têm um tremendo efeito embriagador, muito mais do que quaisquer
experiências sensuais.
Trata-se de uma experiência sem a
dualidade da relação sujeito/objeto.isso cria a ilusão de liberdade, você não
tem de estar relacionado com qualquer coisa fora de você mesmo.
O estimulo é interno, a experiência
também é interna.
Eis por que é tão embriagadora.
A descoberta das experiências ocultas
e transcendentais resulta na libertação de novas capacidades, de novos poderes.
A pessoa se torna poderosa.
Seus olhos se tornam diferentes; o
modo de ela andar é diferente.
Existe nela uma nova força, um novo
senso de libertação, embora não seja ainda a libertação - pois ainda está no
âmbito da psique.
E ia se torna qualitativamente
diferente das outras pessoas e, na maioria das vezes, o estado de observação é
perdido logo que ocorre o estimulo de novos poderes e experiências.
O homem perde o sono.
As conseqüências são demasiadas para
ele, o sistema nervoso enfraquece e ele se curva novamente aos ditames da
consciência do eu, da consciência do ego.
A ambição volta.
A lascívia passa a imiscuir-se nas
experiências ocultas.
Tal pessoa pode sacrificar qualquer
coisa para satisfazer esse apetite.
E perde o equilíbrio.
Manter o estado de observação enquanto
se passa através das experiências não-sensuais é extremamente difícil.
Para não sermos tirados do equilíbrio,
precisamos da flexibilidade e da humildade de um pesquisador.
Estou falando isso com grande agonia.
Tenho observado, nos últimos seis anos,
como as pessoas se entusiasmam facilmente, como se tornam prisioneiras das
experiências psíquicas - jovens dos Países Baixos, da Califórnia, da Irlanda, da Noruega, do
Nepal, do Japão, do Havaí -; quanto mal esse
apego aos prazeres não-sensuais faz a elas!
É a angústia de uma amiga sensível que
está falando, não como uma critica.
Também neste pais, com todas as suas
associações espirituais, é o chamariz das experiências não-sensuais que tem
atraído muitas pessoas para o oculto; assim, a pessoa tem de ser extremamente
sensível, humilde e flexível para manter o estado de observação.
Há que se passar através desse túnel;
o encontro entre o subconsciente e o inconsciente é o túnel através do qual
cada pesquisador tem de passar.
Não há que suprimir essas experiências,
mas deixá-las acontecer.
Quando a ternura do coração começa a
fluir através dos olhos,
chegou a estação chuvosa da pesquisa.
Quando tudo começa a acalmar-se e a
pessoa se sente desapegada internamente, é o outono e, assim, emocionalmente,
há que se atravessar o ciclo completo das estações dentro de si mesma.
Se a pessoa se fixa nas expressões do
processo que ocorre ao passar através desse túnel, ou se se apega aos poderes
da mente, então a indagação é sustada.
Você não estará em condições de levar
a indagação mais além.
Portanto a pessoa precisa de toda
humildade e toda delicadeza e, se a pessoa preserva e mantém assim o estado de
observação, então não há mais nada a ser observado.
Todas as experiências captam o impulso
do subconsciente e o inconsciente se exaure.
Ele aflora, manifesta-se e se exaure
por si mesmo.
As experiências de Jesus de Nazaré, de
Gautama, o Buda, na índia, de Lao-tsé, na China, e de outros, sustentam esta verdade.
Essas experiências podem subir à
camada superior da consciência.
Há tão-somente que se observar, que
olhar; olhar como se olham as nuvens do céu ao entardecer.
Então, quando elas se exaurem através
desse movimento, nada mais há para ser visto, nada mais para ser observado.
O observador não tem mais nenhum papel
a desempenhar, e fica inativo.
Você não tem de fazer nada contra o
observador.
Quando o impulso das associações é
exaurido, não resta nenhum papel para o observador desempenhar.
A expressão final da consciência do eu
entrou em inatividade e a pessoa se encontra no reino do silêncio.
Até então, não há silêncio.
No estado de observação, não há
atividade e, no entanto, não há o silêncio como dimensão da consciência, porque
a pessoa está observando, está no processo de observar; mas agora há uma
dimensão de silêncio no pensamento, na experiência, nas visões.
O transcendental foi ultrapassado; a
pessoa foi além do oculto.
Isto é mais fácil de se dizer do que
fazer, mas estou desenhando um mapa da coisa toda para vocês.
Em palavras, isso é tudo o que se pode
fazer.
As palavras nada mais são que um meio
de arrebatamento; se a pessoa apreende o seu significado, ela é arrebatada.
Se é seduzida pelas palavras, não é
arrebatada.
Portanto a pessoa está agora no reino
do silêncio; não há consciência do eu no centro.
Trata-se de uma consciência sem
fronteiras, de uma consciência sem centro.
O homem não pode fazer qualquer coisa
agora.
Existe apenas silêncio.
Portanto a energia nas raízes de nosso
ser - as raízes do ser estão no ponto central; a energia que estava dividida,
espalhada e fragmentada em pensamentos e emoções em conflito, na dualidade de
sujeito e objeto, de observador e observado, de experimentador e de
experimentado - está agora no reino da não-dualidade; não mais fragmentada; ela
está lá, no ponto fundamental, em sua inteireza,
em sua totalidade, voltando a unir-se
a si mesma em sua fonte.
A energia não é estática.
É um movimento infinito.
Assim, pela primeira vez na vida do
homem, é dada à totalidade da energia uma oportunidade para mover-se.
Ela não tem de acompanhar o "momentum" dos impulsos, dos
pensamentos, das emoções etc. de vocês.
Agora ela está livre para expressar-se
em sua totalidade.
Então, o silêncio começa a se mover, o
silêncio começa a operar, a funcionar.
Como não há movimento de dualidade do
cérebro, do pensamento,
da emoção, não há perturbação química
no corpo, não há divisão nos nervos.
O sistema nervoso entra em completo
repouso e, quimicamente, há um equilíbrio.
Isso é absolutamente necessário.
Se o silêncio não resulta nisso, não é
silêncio.
É um pensamento desejoso de silêncio,
e o ego está por trás, escondido em alguma parte; ainda está operando.
Portanto a pessoa está quimicamente
equilibrada e com os nervos repousados, e a totalidade da energia se move.
Você verá como é essa totalidade.
Somente a totalidade de nosso ser é
que cura todas as feridas.
Assim como a totalidade da energia se
move em sono profundo, não perturbada por sonhos, da mesma maneira a totalidade
da energia se move agora no estado de meditação.
Energia é sensibilidade, é inteligência.
Portanto a sensibilidade do ser total,
não a sensibilidade do cérebro,
do órgão físico, mas de todo o ser, a
inteligência, como uma força, se torna operante.
Hoje nós não sabemos o que é a
sensibilidade, não sabemos o que é a inteligência.
Conhecemos o intelecto, as funções
cerebrais.
A inteligência é um caminho de
natureza diferente, um elemento diferente de vida.
O movimento da energia total não pode
ser descrito.
Trata-se de um movimento na
não-dualidade, de um movimento do ser inteiro.
Assim, a totalidade responde, percebe
e elimina a divisão entre o indivíduo e o universo.
A divisão ilusória, a divisão
enganosa, criada pela consciência do eu,
entre o individual e o universal,
desaparece nessa dimensão do silêncio.
Você não é nem o individual nem o
universal: você é apenas vida.
A totalidade da vida olha então
através da totalidade dessa pessoa.
O silêncio dos olhos responde através
da totalidade dessa pessoa.
A moldura de carne e ossos estará lá
enquanto durar o impulso herdado, mas os movimentos dessa pessoa não são
individuais, pois não são motivados.
Chame-se a isso a imersão do indivíduo
no universal.
Não se pode descrevê-lo.
O fato é que desaparece a divisão
entre o um e os muitos, entre o interior e o exterior, entre o individual e o
universal.
A pessoa é, então, consciência sem
esforço, sem escolha, do infinito movimento da vida.
Vida é viver constantemente através do
nascimento e da morte,
através da dor e do prazer; a vida
opera através do dia e da noite, a vida respira o tempo todo - o nascimento é a
vida inspirando,
enquanto a morte é a vida expirando.
A vida se move, então, além da
dualidade.
Este é o estado de meditação.
Chame-o samadhi, se quiser, ou
nirvana, se preferir.
Tal pessoa torna-se então uma
manifestação, em carne e osso, da unidade, da totalidade da vida, e para mim
isso é a consumação do crescimento humano, O homem ainda não está maduro para
ela.
Ele aprimorou o corpo, o cérebro, mas
tem que atingir ainda a maturidade da consciência que a meditação abre para
ele.
Atualmente, somos seres humanos apenas
na forma, e não no conteúdo.
A divindade para mim é a humanidade
aprimorada e purificada.
O homem tem que atingir a condição na
qual venha a existir uma sociedade baseada no amor, na amizade e na cooperação,
na ordem social, econômica e política, livre da exploração, da corrupção e da
violência.
Eis por que a meditação é uma forma de
revolução psíquica.
A crise está na psique e, portanto,
tem de ser resolvida na psique.
0 comments
Postar um comentário
Por favor leia antes de comentar:
1. Os comentários deste blog são todos moderados;
2. Escreva apenas o que for referente ao tema;
3. Ofensas pessoais ou spam não serão aceitos;
4. Não faço parcerias por meio de comentários; e nem por e-mails...
5. Obrigado por sua visita e volte sempre.