UM
GENERAL NA PRESIDÊNCIA DO BRASIL, PELO VOTO?
Montagem sobre a foto do
Gen. Augusto H. R. Pereira simulando a foto presidencial
(Foto: Folhapress; Estadão conteúdo; Agência O
Globo/ Ilustração: Alexandre Jurban)
UM
GENERAL NA PRESIDÊNCIA?
ESTE É O PLANO DA ARENA, A
NOVA E MODERNA VERSÃO DO PARTIDO QUE DEU APOIO À DITADURA MILITAR.
O CANDIDATO PODE SER O
OFICIALAUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA. DELÍRIO?
É BOM
NÃO DUVIDAR!
E não é
que essa ideia começa a tomar forma?
Um grupo político planeja,
sim, lançar um general a candidato a presidente nas eleições de 2014 – Aos 65
anos, Pereira é um general de
exército de quatro estrelas, a mais alta patente militar em tempos de paz
Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com
A notícia em uma revista semanal de que o
general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira
teoricamente possuiria o apoio de 5,7 milhões
de eleitores numa suposta disputa presidencial pode ter pego muita gente de
surpresa – menos a GQ.
Em abril de 2013, dedicamos amplo espaço ao
perfil de um personagem até então desconhecido, mas que já prometia causar barulho na condição de símbolo de
um movimento que busca restaurar a direita política no Brasil
- Por Marcus Lopes
Estranho país, o Brasil.
Oito militares de alta patente já vestiram a
faixa de presidente da República.
Apenas dois deles – Hermes da Fonseca e Eurico Gaspar Dutra – chegaram ao cargo por
eleição direta.
Cinco generais governaram durante a ditadura
militar, entre 1964 e 1985.
A lista oficial de mortos e desaparecidos
políticos desse período conta com 457 nomes – o governo atual estuda a inclusão
de outras 370 pessoas.
A partir de todo esse histórico, lançar um
general a candidato ao Palácio do Planalto não parece a ideia mais popular do
mundo. Seria missão árdua para qualquer gênio do marketing político, um desafio
daqueles para um super Duda Mendonça
E não é que essa ideia
começa a tomar forma?
Um grupo político planeja, sim, lançar um
general a candidato a presidente nas eleições de 2014 – e GQ antecipa aqui o
nome dele
O militar em questão é Augusto Heleno
Ribeiro Pereira.
Aos 65 anos, Pereira é um general de exército de quatro estrelas, a mais alta
patente militar em tempos de paz.
No Brasil, existem apenas 14 cargos de general
de exército.
Augusto Heleno Ribeiro Pereira, portanto, não é um general qualquer.
É um senhor general
O militar estrelado gosta de ação.
Ele foi o primeiro comandante da Missão das
Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), entre 2004 e 2005.
Chefiava 6.250 capacetes azuis de 13 países.
Em 2008, foi comandante militar da Amazônia.
É bem quisto entre os oficiais e tem lá seus
fãs entre os civis.
É midiático, comentarista do Grupo
Bandeirantes.
Uma página no Facebook criada por admiradores
contava, até o mês passado, com 842 membros.
Muitas mensagens são de incentivo a uma
candidatura a presidência da República.
Serão esses seus
primeiros votos?
Na reserva desde 2011, o general é hoje
superintendente do Instituto Olímpico Brasileiro, braço do COB que dá suporte aos atletas para que eles possam ter uma
formação acadêmica e partir para outra carreira quando pendurarem os tênis de corrida.
“Presidente da República?
É mesmo?”, disse,
aparentemente surpreso, ao atender pelo telefone o repórter da GQ.
Todo bom postulante a um cargo político nega a
candidatura, e é dessa forma que age o general.
“Não quero me meter
com política e não há possibilidade de ser candidato.
De qualquer maneira, me sinto honrado pela
lembrança”
NO ALTO, EM SENTIDO HORÁRIO:
REUNIÃO DA ARENA NA CASA DO GOVERNADOR ROBERTO DE
ABREU SODRÉ, EM 1969; ULYSSES GUIMARÃES, DO MDB,
E JOSÉ SARNEY, DA
ARENA, DISCUTEM O PROJETO DE ANISTIA; PAULO MALUF EM SÃO
PAULO, EM 1978; ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES EM SALVADOR, EM 1978.
NA PÁGINA AO LADO, CONVENÇÃO NACIONAL DA ARENA EM 8 DE ABRIL DE
1978 PARA INDICAR O NOME DO GENERAL JOÃO BAPTISTA FIGUEIREDO PARA CANDIDATO À
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
(FOTO: FOLHAPRESS ; ESTADÃO CONTEÚDO; AGÊNCIA O GLOBO)
De volta ao passado
Complicado jogo, o da política.
Quem quer lançar o general a presidente é a Arena.
Se a frase parece perdida no tempo, não se
espante.
O partido político que deu sustentação à
ditadura militar começou a renascer há menos de um ano pelas mãos de um grupo
de jovens conservadores de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha.
A presidente da nova Arena é a estudante de
direito Cibele
Bumbel Baginski, 23 anos.
Cibele sabe o peso
que o nome do partido provoca.
“Ainda vai levar um
tempo até convencermos de que nossa proposta é democrática”, diz.
Mas admite: o nome
funciona como uma tremenda peça de marketing
Os jovens gaúchos se identificam e defendem a
época em que os generais comandaram o País.
Aliás, não gostam do termo ditadura.
“O Brasil nunca teve
um ditador, com exceção de Getúlio Vargas”,
diz Cibele
E justifica uma das propostas para a educação,
caso um dia eles cheguem ao poder: reformular o ensino de história, “sem ênfases tendenciosas doutrinariamente”, conforme reza o estatuto do partido.
Eles também propõem o retorno do ensino de
educação moral e cívica e latim nas escolas
“É errado falar em
ditadura.
Foi um período de
governo mais próximo do militar, mas não foi uma ditadura militar, pois havia
eleições”, diz Cibele
É uma meia-verdade.
Todos os presidentes generais no pós-golpe de 1964 foram eleitos pelo Colégio Eleitoral, sempre com vitória da Arena.
De 1966 a 1979 o sistema
eleitoral foi bipartidário.
Nesse período, governadores, prefeitos e
senadores também eram eleitos de forma indireta
Cibele está longe daquele estereótipo sisudo
dos simpatizantes da direita.
Sempre sorridente, tem um piercing nos lábios e
gosta de balançar os cabelos pintados de vermelho ouvindo heavy metal, ao som
de Illuminandi e Monstrum, bandas da Polônia, e Megadeth.
Entre um gole e outro de chimarrão, ela conta
como nasceu a ideia de ressuscitar a velha legenda.
O processo, diz, está relacionado à desilusão
da população com a política e a pasteurização das legendas, cuja maioria se
acomodou em uma posição de centro-direita ou esquerda.
“Hoje não há mais
partidos genuinamente de direita e a oposição é fictícia”, diz Cibele, ex-filiada
do Democratas (DEM) – “light demais”, segundo ela
As sementes da nova Arena foram plantadas em
uma eleição para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Cibele e o amigo João
Manganeli Neto, 26
anos, que também era do DEM e graduando em engenharia química, juntaram
alguns amigos alinhados à direita e lançaram uma chapa para concorrer às
eleições.
Conseguiram cerca de 700 votos – oito deles nos
cursos de história e ciências sociais, historicamente ligados à esquerda.
Ficaram em terceiro lugar, mas o gosto pela
política venceu.
Após muitas reuniões no Nostro Café, um botequinho no Centro de Caxias mais conhecido como o Bar do Tio, em junho do ano passado resolveram fundar o partido, cuja
linha é definida como “conservadora e
desenvolvimentista”
Atualmente, são 144 membros fundadores e
diretórios organizados em 61 municípios, espalhados por 15 estados
Até o final de maio, esperam reunir as 492 mil
assinaturas exigidas pela lei para a fundação de um novo partido.
No começo de março eles já tinham 110 mil
confirmadas e outras 80 mil aguardando a autenticação dos cartórios eleitorais
regionais.
Se cumprirem os requisitos legais até o final
de setembro, terão o registro definitivo no Tribunal Superior
Eleitoral e estarão aptos para disputar as eleições em
2014.
Eles pretendem lançar candidatos para todos os
cargos
A questão do nome foi facilmente decidida.
Havia cerca de outras nove ou dez opções, até
que uma correligionária de Pernambuco sugeriu Aliança Renovadora Nacional (ARENA).
Foi amor à primeira vista.
“Quando bateu, eu
gostei”, diz Cibele.
Um assessor do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), ao ser consultado sobre a utilização da sigla, foi direto:
“Poder pode, mas o
funeral é de vocês”.
Como o antigo partido foi extinto, o nome não
estava sob o domínio de ninguém
O impacto inicial já passou.
“As pessoas, mesmo
aquelas que não se interessam por política,
não conseguem ficar
neutras.
Elas são a favor ou
contra”, diz Cibele, que apesar da afinidade com os militares afirma não se
tratar do mesmo partido dos anos de chumbo.
“O Brasil hoje é
pelo fortalecimento da democracia e da cidadania”, diz.
Se as ideias são de direita, no dia a dia a
prática lembra os primeiros anos dos partidos de esquerda
Praticamente todos os dirigentes são apenas
estudantes universitários e, enquanto não têm direito a fundo partidário, arcam
com as despesas, cerca de R$ 800 por mês.
Esse valor é dividido entre eles para cobrir
pequenas despesas como xerox, registros em cartório e correios.
As viagens são viabilizadas pelos diretórios
regionais, também em regime de rateio entre os dirigentes locais.
Até o mês passado não possuíam sede definitiva.
Quando o dinheiro permitir, a ideia é alugar uma pequena sala comercial
em Caxias do Sul.
DIRETORES
DA NOVA ARENA (CIBELE À FRENTE)
(FOTO: ENIO
CESAR), o mais velho tinha apenas 14
anos quando o PT elegeu Lula em 2002 …
Tortura nunca mais
A nova Arena já possui registro civil e, em novembro de 2012, o estatuto e o programa
do partido foram publicados no Diário Oficial da União, como prevê a lei de
formação dos partidos
O estatuto prevê, entre outros tópicos,
garantia da propriedade privada, reaparelhamento das Forças Armadas, maioridade
penal aos 16 anos e remodelação de programas como o Bolsa Família,
que consideram oportunista.
Também são contrários ao sistema de cotas
raciais, apesar de Cibele ser bolsista do Programa Universidade para Todos (Prouni).
“O Prouni é uma
bolsa de estudo, e não uma cota.
Tirei uma nota muito
boa no Enem para conquistá-la”, diz
O assunto mais delicado em torno do velho nome
da Arena são as denúncias de tortura no regime militar
“A Arena daquela
época não pode ser responsabilizada por atos cometidos por alguns membros do
governo”, diz Cibele.
“Seria como culpar o
PTB pelas torturas cometidas na ditadura Vargas”
Diz o estudante Tullio
Damin da Sois, 19 anos, sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pelo governo federal para apurar os
crimes de violação dos direitos humanos entre 1964 e 1988:
“É uma comissão
unilateral da verdade.
O Exército também
deveria apresentar sua versão nos trabalhos”.
Procurada, a CNV não quis se pronunciar
A criação da nova legenda levanta discussões
sobre a sua viabilidade política no Brasil atual.
“Respeitando o que
está na Constituição, eles têm o direito de expressar sua ideologia”, diz o cientista político Aldo Fornazieri,
diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo.
“Como no Brasil
todos os partidos foram para o centro, com os de esquerda aliados à
centro-direita, existe espaço para a representação de um ideário mais
conservador.” Fornazieri não considera a volta da Arena um retrocesso.
“Faz parte da pluralidade política e
ideológica”, afirma
“Acho que estes
jovens propõem mais uma intenção romântica do que uma ideologia”, diz o sociólogo Rudá Ricci, doutor em Ciências Sociais e professor da Escola Superior
Dom Helder Câmara.
“Eles não me parecem
conscientes do que significou a Arena no regime autoritário”
Diz o jornalista Ivan Seixas, coordenador da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa
de São Paulo:
“É um direito você
ter saudades da ditadura.
O que não pode é
tentar justificar a tortura e o fascismo.
Esses jovens estão
mal-informados ou com a visão deformada do regime militar”
Ex-militante do Movimento Revolucionário
Tiradentes, Seixas foi preso e torturado pelo Departamento de
Ordem Política e Social (Dops), na década de 70.
Seu pai, o mecânico Joaquim Seixas, também militante do mesmo movimento, apanhou
junto com ele nos porões do Dops.
Morreu após dois dias de tortura
Se os planos da Arena se confirmarem,
discussões como essas devem se acirrar no ano que vem.
É delírio imaginar um
general quase desconhecido subindo a rampa do Palácio do Planalto?
Talvez não.
A 18 meses da eleição de 1989, Fernando Collor era governador
de Alagoas, um dos estados mais pobres do Brasil,
e sonhava no máximo em se reeleger.
Se fosse hoje, provavelmente o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira concorreria
com Dilma, Aécio Neves, Marina Silva e talvez Eduardo Campos.
Além, é claro, dos azarões.
Existem hoje 30 partidos políticos no Brasil e
pelo menos dez, como a Arena, em vias de conseguir o registro
“Acho que os
militares não devem se envolver com política, embora respeite os colegas que
fazem isso”, afirma o
general
Quando estava no comando da Amazônia, porém,
era crítico contumaz do então presidente Lula, principalmente no tema da
demarcação de terras indígenas.
Aliás, na página do Facebook para o general
sobram ataques ao PT e elogios aos projetos faraônicos da ditadura militar
“Militares não são
políticos natos, são administradores, executores de planos, e o Brasil certamente
teria mais sucesso com menos maracutaia e mais serviço”, diz Cibele, em defesa de
um candidato fardado.
E se o general Augusto
Heleno realmente não quiser ser candidato?
Cibele então sairá atrás de outro nome.
Um requisito de peso, porém, é esse: ter
formação militar.
Juventude decidida, essa de Caxias do Sul.
Os militares na ditadura
A Aliança Renovadora Nacional (Arena) foi criada em abril de 1966 para apoiar o
governo militar após a edição do Ato Institucional número 2 (AI-2), que instituiu o bipartidarismo no país.
Seu adversário era o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que daria origem ao atual PMDB.
A partir de sua fundação, todos os presidentes
militares foram eleitos de maneira indireta pela Arena até sua extinção, em 1979
Na órbita do partido que sustentava o regime
ficaram conhecidos nomes ligados ao conservadorismo, como o senador José Sarney (PMDB-AP), o ex-senador
baiano Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007, e o
ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf.
Em Alagoas, a legenda era representada pela Família Collor e, em Minas, por políticos como Aureliano Chaves
Muito do saudosismo que as pessoas sentem do
regime militar se deve ao chamado “milagre econômico” vivido pelo
Brasil no período entre o final da década de 60 e meados da
década de 70.
O “milagre” combinava o crescimento
econômico com inflação baixa.
Entre 1969 e 1973, o
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro
cresceu 11,2%, em média.
O pico foi em 1973, com 13%.
Capitaneado pelo ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, o “milagre”,
porém, era ancorado na disponibilidade de
recursos e empréstimos internacionais.
Havia também um cenário favorável para as
exportações agrícolas – em especial a da soja – e produtos industriais, graças
aos incentivos dados pelo governo para exportações
Com dinheiro na praça, vieram as grandes obras
dos militares
Não se falava em preservação do meio ambiente e
o crescimento desenfreado era sinal de progresso.
Durante o governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), o projeto da Rodovia Transamazônica representou esse
espírito.
O objetivo era garantir a soberania brasileira
da região (uma eterna obsessão dos militares) e o assentamento de trabalhadores nordestinos em agrovilas.
Com quase 5 mil quilômetros de extensão, a
maior parte fica intransitável por causa das condições naturais da região
Outras grandes obras que se tornaram símbolo do
período militar são a ponte Rio-Niterói e as grandes hidrelétricas, como a binacional de Itaipu e
Tucuruí.
Ainda no campo energético, os governos
militares foram responsáveis pelo projeto e pela construção das polêmicas
usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis, no litoral fluminense.
Como esse pensamento
poderia virar bandeira de um partido nos dias de hoje?
Quem viver verá – talvez.
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