ANOMALIA ELETRO-MAGNÉTICA SOBRE O BRASIL
AMAS – A "Anomalia
Eletromagnética" sobre o Brasil....
quinta-feira,
17 de julho de 2014
Agora está claro que a região onde o campo eletromagnético era mais
fraco em toda a superfície terrestre, a "Anomalia
Magnética" do Atlântico Sul-AMAS, está se deslocando
Antes restrita ao sul da África, essa área atualmente cobre parte do sul
da América do Sul e quase todo o Atlântico Sul e o BRASIL ...
Durante quatro anos, o físico Gelvam Hartmann coletou e examinou quase 600 fragmentos de
tijolos de igrejas e casas antigas da Bahia, de São Paulo, do Rio de Janeiro e do
Espírito Santo para conhecer a variação do campo magnético terrestre sobre o Brasil
nos últimos 500 anos, um período sobre o qual praticamente não havia informação
do ponto de vista geofísico....
Seu trabalho registrou uma inesperada queda na intensidade do campo
magnético nas
regiões Nordeste e Sudeste e, a partir daí, estabeleceu um método de análise de
materiais arqueológicos brasileiros que confirmou ou definiu as prováveis datas
de construções antigas, algumas delas sem nenhuma documentação histórica....
Ao lado de arqueólogos, arquitetos e geólogos, Hartmann tirou pequenas lascas
de tijolos de igrejas e casas coloniais do Pelourinho, no centro histórico de Salvador, com martelo e
talhadeira quando era possível ou,
quando não, com uma furadeira resfriada a água
Aos poucos, enquanto examinava esse material no Instituto de Física do Globo de Paris (IPGP) e no Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), ele construiu a
história magnética do Brasil, ao confirmar as datas das construções e
associá-las com as respectivas intensidades magnéticas....
Assim é que emergiu uma informação nova – a intensidade do campo
magnético, de 36,2 microteslas – de uma das mais antigas construções do Brasil,
(tesla é a
unidade de medida da densidade de fluxo magnético) a Catedral de São
Salvador, erguida pelos jesuítas entre 1561 e 1591 com dinheiro do terceiro
governador-geral do Brasil, Mem de Sá, e um sino trazido de Portugal.
Quase não houve problemas com a maioria das amostras das fundações e das
paredes das igrejas de Salvador, mas, estranhamente, a análise de uma amostra
da casa do poeta Gregório de Matos, conhecido como Boca do Inferno por causa do sarcasmo com que
tratava as autoridades de Salvador, indicou que a construção teria sido erguida
em 1830, não entre 1695 e 1700, como os documentos
indicavam
Hartmann
verificou
depois que essa era a data apenas do terceiro piso
– construído mais tarde –, de
onde ele havia coletado amostras de tijolos quando aquela parte da casa passava
por uma restauração....
“Os geofísicos estão nos ajudando a contar a
história da ocupação do Brasil”, reconhece Marisa Afonso, professora de arqueologia e vice-diretora do
Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP
Em
abril de 2004, ela atravessava um longo dia chuvoso no centro regional do MAE em Piraju, interior
paulista,
quando recebeu um e-mail de Ricardo Trindade, professor do IAG e orientador de Hartmann no doutorado.
De Paris, Trindade a convidava para ajudar a construir a curva de
datação de materiais arqueológicos, como ainda não havia sido feita no Brasil,
usando registros do campo magnético, nos moldes do que ele já tinha
visto por lá.
“Quanto mais métodos de datação, melhor, porque
as técnicas mais usadas, como carbono 14 e termoluminescência, nem sempre
funcionam em todos os casos”, diz ela.
“Por sorte tanto Gelvam quanto Ricardo gostam de arqueologia e sabem falar do que fazem de maneira simples.”
Ao mesmo tempo, Hartmann e outros pesquisadores do IAG estão detalhando as variações
do campo magnético terrestre, principalmente nas regiões onde é menos
intenso....
O campo é gerado pelo movimento do ferro "líquido" no núcleo da Terra,
expressa-se na superfície do planeta, orientando as bússolas, e forma
uma "barreira invisível" a 30 mil quilômetros
acima da superfície do planeta que dificulta a entrada de partículas vindas do
Sol.
Agora está claro que a região onde o campo é mais "fraco" em toda a superfície terrestre, a Anomalia Magnética do
Atlântico Sul, está se deslocando e se expandindo.
Antes restrita ao sul da África, essa área atualmente cobre parte do sul
da América do Sul e quase todo o Atlântico Sul...
O ponto de menor intensidade dessa "mancha" está se "deslocando" para oeste: já esteve no sul da África, e depois no meio do Atlântico
Sul, a meio caminho entre o Brasil e a África do Sul.
Por
volta de 1930 estava perto da cidade do Rio de Janeiro, migrou para o sul e
estacionou sobre o estado de Santa Catarina e atualmente se encontra no
Paraguai, com uma intensidade de cerca de 22 microteslas ....(ver mapa).
Algumas consequências são conhecidas: justamente nas áreas onde o campo
é mais fraco os satélites de telecomunicações e os ônibus espaciais podem
sofrer mais "interferências" magnéticas, que podem
danificar seus equipamentos, tanto quanto, em uma escala menor, um ímã pode
desmagnetizar um computador e o fazer perder as informações.
Os resultados surgiram após uma série de "surpresas", nem todas agradáveis
Hartmann conta que se sentiu
desarvorado em
maio de 2008,
logo no início de um estágio de seis meses no laboratório de paleomagnetismo do
Instituto de Física do Globo de Paris
Seu propósito era caracterizar o campo magnético do material que tinha
levado – fragmentos cerâmicos brasileiros dos últimos 02 mil anos –, mas as
coisas começaram a dar errado...
“Yves
Gallet, o
chefe do laboratório, disse que eu não conseguiria analisar aquelas peças, por
não estarem bem cozidas por dentro
Cerâmicas, tijolos, telhas ou qualquer outro material que passou por um
aquecimento intenso podem guardar o registro do campo magnético da Terra no
momento do cozimento, mas, para isso, têm de ter sido assados de modo
uniforme.
Yves me fez uma proposta:
‘Vá para o Brasil, fique lá 20 dias, colete
material histórico, de no máximo 500 anos, e volte; te pago a passagem’”, conta Hartmann
Ele desembarcou em Salvador, a primeira capital do Brasil
De imediato procurou Carlos Etchevarne, professor de arqueologia da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) que conhecera em um congresso três anos antes, e Rosana Najjar, arqueóloga do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e coordenadora do
Projeto Pelourinho de Arqueologia (Monumenta/Iphan)
Etchevarne e Rosana o apresentaram a
outros arqueólogos, que o ajudaram a coletar fragmentos de tijolos de
fundações, paredes ou tetos de 20 construções antigas do Pelourinho.
“Nunca tínhamos trabalhado antes com físicos”, conta Etchevarne,
“mas conseguimos um diálogo muito bom,
rapidamente, com objetivos comuns”
Eles selecionaram prédios cuja data de construção já era conhecida por
meio de registros históricos ou de pesquisas arqueológicas
A razão é simples:
Hartmann
precisava
de uma referência inicial para estabelecer a data de construção por seus
próprios métodos, medindo a intensidade dos resquícios do campo magnético
registrado em minerais ferrosos como a magnetita e a hematita, que compõem a
argila usada para fazer os tijolos dessas construções.
Tanto quanto a data, lhe interessava a intensidade do campo magnético no
momento do cozimento
“O campo magnético da Terra oscila
incessantemente, em diferentes escalas de tempo, de milissegundos a bilhões de
anos, de modo que fragmentos de construções com idades distintas registram
valores do campo também distintos”, diz ele
De volta a Paris, Hartmann conta que trabalhou “16 horas por dia,
incluindo sábados e domingos”, durante dois meses para
determinar a idade e a intensidade do campo magnético do material que havia
levado.
Com essas e outras amostras colhidas em outra viagem a Salvador, ele
confirmou por seus próprios métodos as datas de construções históricas,
afinando as técnicas de trabalho
“Esses dados servem de ferramenta de datação de
construções históricas”, atesta Trindade, que acompanhou a segunda expedição a
Salvador, em dezembro de 2008. Servem mesmo
À medida que dominava a técnica e criava uma associação entre as datas e
as intensidades do campo magnético, Hartmann pôde definir a data de construção – entre 1675 e 1725 – de uma casa do
Pelourinho, a de número 27, da qual os arqueólogos não tinham nenhuma
documentação
No instituto em Paris e no IAG, Hartmann preparou 295 amostras de 14
igrejas e casas de Salvador.
Depois, na Região Sudeste, percorreu casas de fazenda, igrejas e outras
construções de São Paulo, ao lado do arqueólogo Paulo Zanettini, e do Espírito Santo e
do Rio de Janeiro, com a arqueóloga Rosana Najjar, e obteve mais 289 amostras de 11
lugares.
Hartmann deixou as amostras no
formato de cubos com um centímetro de lado
Depois submeteu as amostras ao forno paleomagnético, que, após
sucessivos aquecimentos e resfriamentos, resgata a intensidade e a orientação
do campo magnético no momento em que a argila foi queimada pela primeira vez.
É um método demorado e, por enquanto, de baixa eficiência:
Hartmann obteve boas
informações de apenas 56% das amostras do Nordeste e de 38% das do Sudeste.
Depois de assar, resfriar e medir no magnetômetro as amostras de cada
lugar que visitou, Hartmann construiu as curvas de variação da intensidade do campo magnético para
cada região.
A do Nordeste exibiu valores decrescentes – em torno de 40 microteslas em 1560 para 25 em 1920 – com uma queda de
aproximadamente cinco microteslas a cada século.
“É bastante”, diz ele.
Os valores das amostras da Região Sudeste apresentaram uma queda mais
acentuada, como detalhado em um artigo publicado este ano na revista Earth and
Planetary Science Letters, onde em 2010 saíram os dados sobre o Nordeste.
“Os dois artigos representam uma contribuição
fundamental para a compreensão da evolução do campo magnético terrestre nos
últimos 500 anos”, assegura Trindade.
O geofísico Igor Pacca, professor do IAG e um dos pioneiros no Brasil no estudo do campo
magnético terrestre, levantou as informações de milhões de anos atrás,
registradas em rochas.
As mais recentes, do início do século passado para cá, estão sendo
coletadas por observatórios terrestres e satélites.
Ao menos nas primeiras tentativas, essa técnica não serviu para datar
pinturas rupestres, nem panelas de barro, que perderam o campo magnético
original por terem ido muitas vezes ao fogo, nem as casas dos bandeirantes
paulistas, feitas de barro amassado e prensado.
Etchevarne acredita que talvez
sirva para esclarecer as origens de potes de água, que só passam uma vez por
temperaturas altas.
“Um dos próximos desafios é encontrar como
datar materiais com mais de 500 anos que não foram tão bem queimados”, diz Marisa.
“Já pedi a Gelvam para não desistir
Temos peças de cerâmica de até 7 mil anos para
datar”
Hartmann
já começou
a trabalhar com amostras colhidas em Missões e pretende examinar as igrejas de
Minas Gerais o mais breve possível para ampliar as análises da variação do
campo magnético entre as regiões do Brasil.
Segundo
Trindade,
essas análises regionais mostraram que o campo magnético no Brasil está longe
de apresentar um comportamento ideal,
que pode ser comparado ao campo magnético de um ímã de barra
Nas duas regiões, o campo magnético é complexo e apresenta fortes
influências de componentes multipolares – ou não dipolares, como os geofísicos
dizem
“Nesses casos”, diz Hartmann, “a agulha da
bússola apresenta uma forte deflexão com relação ao norte, que pode chegar a
mais de 20°”
Já na França, segundo ele, predomina o campo dipolar, como se a Terra
fosse um ímã quase perfeito, e as deflexões com relação ao norte não excedem os
5
Campo menos intenso – Para os geofísicos, a queda contínua nos valores
do campo magnéticoe o fato de as amostras das regiões Nordeste e Sudeste
apresentarem grandes diferenças em intensidade devem estar ligados à "Anomalia Magnética do Atlântico Sul" (S.A.A. – South
Atlantic Anomaly, na sigla em inglês).
Regida por campos não dipolares, a SAA é uma ampla região com as
intensidades mais baixas do campo magnético – em torno de 28 microteslas (o valor médio do campo
magnético da Terra é de 40 microteslas e o máximo, de 60 microteslas)
“Por causa da proximidade geográfica, a
influência da anomalia é maior no Sudeste que no Nordeste brasileiro”, diz Hartmann
“A anomalia representa uma área em que a
blindagem do campo magnético contra raios cósmicos e partículas solares é mais
frágil....”
Pacca vê a Sama como “uma janela” para partículas de alta energia conhecidas como raios
cósmicos, que podem entrar mais facilmente na Terra através de regiões menos
intensas do campo magnético (os Polos)
Ele e Everton
Frigo,
também do IAG, acreditam que os raios, por sua vez,
poderiam facilitar a formação de nuvens, fazer chover mais e baixar a
temperatura, principalmente sobre as terras cobertas por trechos menos intensos
do campo magnético
“Há muito tempo se sabe que as manchas solares
interferem no clima, mas nunca soubemos direito como”, diz Pacca
Quanto mais manchas solares, maior a atividade do Sol – e maior seu
campo magnético.
Nesses momentos, o campo magnético do Sol age em conjunto com o campo
magnético da Terra dificultando a entrada de raios cósmicos
Em períodos de menor intensidade da atividade solar, há menos manchas e
o campo magnético do Sol é menos forte
“Quando os campos do Sol e da Terra estão com a
intensidade mínima, os raios cósmicos entram mais facilmente na Terra, colidem
com partículas da atmosfera e geram uma quantidade enorme de elétrons e de
outras partículas”, diz Pacca
“Toda a energia criada com as colisões produz
uma ionização, que pode favorecer a condensação de vapor de água.
Os raios cósmicos podem ser os gatilhos que
disparam as reações que levam à formação de nuvens de chuva”, teoriza.
Pesquisadores do Reino Unido e da Dinamarca também defendem essa
possibilidade, mas ainda há espaço para outras visões
“Até o momento”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP, com base em estudos do
Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), de que ele faz parte, “não há evidências sólidas, nem a favor, nem contra, de que possa haver
algum efeito de raios cósmicos sobre os processos de formação de nuvens”
Como essa região menos intensa do campo magnético
se forma e como pode reduzir a intensidade do campo registrado em rochas ou
tijolos?
Ninguém sabe.
O que mais pode acontecer em razão dessa queda na intensidade do campo, além
das interferências em telecomunicações?
Outro mistério
“Einstein já dizia em 1905 que a origem e a
evolução do campo magnético terrestre são um dos problemas mais difíceis da
física, já que não seguem nenhum padrão”, argumenta Hartmann
O comportamento do campo magnético terrestre é complexo a ponto de já
ter apresentado até mesmo reversões dos polos – o polo norte tornando-se sul –
a mais recente há 780 mil anos
E existe a possibilidade de mudar outra vez:
“Apareceu uma anomalia na Sibéria, que está se
ampliando e já é mais intensa que o polo nortemagnético”, diz Pacca
“Por enquanto, é como se a Terra tivesse dois
polos norte, mas o atual polo norte está perdendo a vez e pode surgir outro,
mais forte, em milhares de anos.”
Pacca montou um dos
primeiros laboratórios de "paleomagnetismo" no Brasil em 1971, no Instituto de Física
da USP
Dois anos depois ele reinstalou os equipamentos no IAG, para onde se mudou,
como professor convidado, para formar um grupo de pesquisas em geofísica
Como não havia outros materiais para estudar, por muitos anos só rochas
entravam lá.
Um dos trabalhos mais ambiciosos consistiu na análise da intensidade e
da orientação do campo magnético de 10 mil amostras de rochas do Brasil e da
África.
Daí saíram detalhes sobre a posição dos continentes na Terra de 1 bilhão
de anos atrás, bem diferente de agora: o que corresponde ao atual território
brasileiro era uma série de grandes ilhas distantes umas das outras e o bloco
de rochas que forma a atual Amazônia estava separado de Goiás e do Nordeste por
mares e mais próximo do sul do país do que hoje (ver Pesquisa FAPESP nº 75, de maio de
2002)
Hoje, grupos de pesquisadores em 24 países – na América do Sul, apenas Argentina e Brasil – trabalham com geomagnetismo e paleomagnetismo.
Pacca encontrou recentemente
o que acredita ser o mais antigo estudo em português sobre magnetismo nas
rochas, o Roteiro do Goa a Diu, publicado em 1.538 (Goa e Diu eram domínios portugueses no
sudoeste da atual Índia)
O autor é dom João de Castro, nobre português que terminou a vida, aos 48 anos, como
vice-rei da Índia
Em seus roteiros, ele mostrava como os navegadores deveriam se orientar
em alto-mar, valendo-se das (posições das) estrelas e de instrumentos simples como a
bússola, para chegar aos destinos desejados.
“Se não houvesse campo magnético, não haveria
bússola”,
diz ele
“E sem a bússola não teria havido grandes
navegações, que enriqueceram muitos comerciantes e permitiram a conquista de
novos espaços como o Brasil”
Artigo científico:
Hartmann, G.A. et al.
New historical archeointensity data
from Brazil: Evidence for a large regional non-dipole field contribution over
the past few centuries.
Earth and Planetary Science Letters.
v. 306, p. 66-76. 2011.
(fonte/ créditos: ThoT/ Fapesp/ USP)
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