ECOLOGIA E
ESPIRITISMO
quarta-feira,
29 de outubro de 2014
(matéria publicada na Folha Espírita em
novembro de 2007)
“A Terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o
homem contentar-se.
Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ele a
emprega no supérfluo o que poderia ser empregado no necessário”
(O Livro
dosEspíritos, capítulo V, Lei de Conservação)
Cláudia Santos
Ao se deparar com o tema Ecologia e Espiritismo, é muito provável
que, em um primeiro momento, muitos de nós nos perguntemos o que um teria a ver
com o outro.
De fato, logo de cara, eles não aparentam ser
assuntos correlatos.
Mas, analisando a origem de ambos, vemos que,
assim como Ernst Haeckel,
cientista alemão que primeiro usou o termo Ecologia e a definiu como “o estudo da
casa ou do lugar onde vivemos”, seu contemporâneo Allan
Kardec,
o Codificador do Espiritismo, nos trouxe
respostas, através dos espíritos,
sobre as relações entre os seres vivos e o
ambiente em que vivem e o quanto um depende do outro.
A partir daí, está dada a resposta: a Ecologia
anda, sim, de braços dados com a Doutrina de Kardec.
“Assim como o conceito de Espiritismo demandou tempo para ser
incorporado, o mesmo ocorreu com a Ecologia, do ponto de vista científico e
filosófico.
Há coincidências entre Espiritismo e Ecologia.
O primeiro tem uma visão sistêmica.
Por exemplo, demonstra-se que nas diferentes moradas do Pai existe
relação de interação constante entre os mundos, uma conexão entre diferentes
fenômenos.
Desdobra-se um olhar que vai além e que explica a teia, como tudo está
conectado.
Sabemos que estamos inseridos num contexto.
Que cada um de nós tem companhias nos planos denso e espiritual e vai
tendo uma série de experiências.
Sentimo-nos mergulhados em algo maior e estamos misturados a outros.
A visão ecológico-sistêmica tem o mesmo alcance”, analisa o carioca André Trigueiro, 41, apresentador do programa Cidades e Soluções, transmitido aos domingos,
às 21h30, pela Globonews e Canal Futura, e que acaba de completar um ano no ar.
Na pergunta 705 de O Livro dos Espíritos, no capítulo que versa sobre a Lei de Conservação, Kardec, ao questionar
a espiritualidade “por que nem sempre a terra produz bastante para
fornecer ao homem o necessário?”,
recebe uma resposta que exemplifica bem o que
vivemos hoje:
“É que, ingrato, o homem a despreza!
Ela, no entanto, é excelente mãe.
Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua
imperícia ou da sua imprevidência.
A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o
homem contentar-se” (...).
Com essa resposta, a Espiritualidade nos mostra
que o materialismo exarcebado, que o “ter por ter”, cada vez mais presente em um modelo de desenvolvimento econômico que
promove a produção de bens de consumo sempre mais caros e sofisticados, precisa
ser revisto.
O homem começa a perceber, hoje, dados os
alardes sobre o avanço da degradação do planeta, que não há como haver uma
produção ilimitada deles na biosfera, que é finita e limitada.
Essa produção e consumo exagerados esbarram na
Ecologia.
“O problema é que, em uma sociedade de consumo, como a nossa, nenhum de
nós se contenta apenas com o necessário”, afirma Trigueiro. “
A publicidade encarrega-se de despertar
apetites vorazes de consumo do que não é necessário, daquilo que é supérfluo,
descartável e inessencial,
renovando a cada nova campanha a promessa de
felicidade que advém da posse de mais um objeto”, analisa.
Relação com o ambiente comprometida
Você
já parou para pensar como anda nossa relação com o ambiente em que vivemos?
E o que temos a ver com a emissão de carbono na
atmosfera, o conseqüente aquecimento global, a produção exagerada de lixo e um possível esgotamento dos
recursos naturais no nosso planeta?
Acredita
que não tem nada a ver com isso?
Que
até faz algo, mas que sozinho não pode mudar o mundo?
A verdade é que cada um de nós é responsável
por tudo isso que está aí.
E se não frearmos o modelo de desenvolvimento
que temos adotado acabaremos padecendo junto com a Terra.
Assim, não importa se nossas ações possam
parecer pequenas diante do universo, mas se elas acontecerem, influenciarão as
do seu vizinho e, muito provavelmente, de toda uma sociedade.
É preciso nos lembrar que a questão ambiental
está muito fortemente associada a modelos de desenvolvimento, a um projeto de
civilização.
O meio ambiente somos nós, o meio que nos cerca
e as relações que estabelecemos com ele.
Nossa qualidade de vida depende da forma como
estabelecemos essa relação.
Ele transcende ao gueto da fauna, flora e
preservação
É muito mais que isso.
Trigueiro, jornalista com pós-graduação em
Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor e
criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro
Mundo Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação (Editora Globo, 2005), coordenador editorial e um
dos autores do livro Meio Ambiente no Século XXI (Editora Sextante, 2003), acredita ser imprescindível que o Movimento Espírita absorva e
contextualize, à luz da Doutrina, os sucessivos relatórios científicos que
denunciam a destruição sem precedentes dos recursos naturais não renováveis, no
maior desastre ecológico de origem antrópica da história do planeta.
“Os atuais meios de produção e consumo precipitaram a humanidade na
direção de um impasse civilizatório, onde a maximização dos lucros tem
justificado o uso insustentável dos mananciais de água doce, a desertificação
do solo, o aquecimento global, a monumental produção de lixo, entre outros
efeitos colaterais de um modelo de desenvolvimento ecologicamente predatório,
socialmente perverso e politicamente injusto”, avalia.
Segundo Trigueiro, para nós,
espíritas, é fundamental que o alerta contra o consumismo seja entendido como
uma dupla proteção: ao meio ambiente, que não suporta as crescentes demandas de
matéria-prima e energia da sociedade de consumo, onde a natureza é vista como
um grande e inesgotável supermercado, e ao nosso espírito imortal, já que, de
acordo com a Doutrina Espírita, uma das características predominantes dos
mundos inferiores da Criação é justamente a atração pela matéria.
“Nesse sentido, não há distinção entre consumismo e materialismo e nossa
invigilância poderá custar caro ao projeto evolutivo que desejamos encetar”,
alerta.
De acordo com o jornalista, uma das mais
respeitadas referências em sustentabilidade no País, essa questão é tão crucial
para o Espiritismo, que,
na pergunta 799, de O Livro dos
Espíritos, quando Kardec
indaga “de
que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?”, a resposta é taxativa:
“Destruindo o materialismo, que é uma das
chagas da sociedade (...)”.
“Uma das mais prestigiadas organizações
não-governamentais do mundo, o Worldwatch Institute, com sede em Washington (EUA), divulga anualmente o relatório ‘Estado do Mundo’, uma grande compilação de dados e estudos científicos que revelam os
estragos causados pelo atual modelo de desenvolvimento.
Em um dos últimos relatórios, publicado
em 2004, afirma-se que o consumismo desenfreado é a
maior ameaça à humanidade.
Os pesquisadores do Worldwatch denunciam que altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo
livre e meio ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está
diminuindo a qualidade de vida das pessoas”,
informa Trigueiro, que,
abaixo, conta um pouco mais sobre ele próprio, nossa relação com o meio
ambiente e a Doutrina Espírita.
FE – Como e quando você
se tornou espírita?
Trigueiro –Meu pai era católico, quase foi padre, e minha mãe espírita.
Tivemos uma formação cristã.
Meu ano de fome de conhecimento espírita foi
1987.
Fui buscar na Doutrina as respostas que não
encontrava no Catolicismo
Estava naquele momento da juventude de indagar
o que seria a realidade espiritual, sentido da dor e sofrimento, em que medida
interagimos com o plano espiritual e aquele contentamento que se tem quando nos
deparamos com as respostas da espiritualidade maior.
Comecei a devorar livros, a freqüentar o centro
Joanna de Angelis, em Copacabana, a
participar das atividades da Mocidade Espírita, a me engajar nos trabalhos da
casa, na Baixada Fluminense etc.
FE – Como surgiu seu
interesse pela Ecologia?
Trigueiro –A cobertura da Eco-92 mexeu comigo.
Eu era repórter da Rádio Jornal do Brasil e
cobri o Fórum Global, o encontro paralelo das ONGs, que reuniu organizações do
mundo inteiro, no Aterro do Flamengo.
Nas horas vagas, permanecia no local, acompanhando
os debates.
Na ocasião, a questão ambiental era para mim
algo instigante, embora restrito a um círculo de iniciados.
Mas logo descobri que esse era um assunto que
deveria ser de domínio público, cada vez mais disseminado em nossa cultura.
Ele determina comportamentos, é um novo
paradigma.
FE – Você costuma dar
palestras em centros espíritas?
Quais temas costuma abordar?
Trigueiro –Além da Ecologia, um outro assunto recorrente em palestras é o suicídio.
A Espiritualidade maior nos dirige um apelo
para que atuemos mais fortemente na prevenção do suicídio, e eu passei a me
interessar e me envolver com o assunto.
O suicídio no Brasil é um caso de saúde
pública.
Sua incidência vem aumentando e isso é muito
preocupante.
FE – Os espíritos dizem
que precisamos destruir o materialismo e que ele é uma chaga na sociedade.
Como você vê essa afirmação?
Trigueiro – Precisamos refletir sobre o que é necessário e supérfluo em nossas
vidas, reduzir a nossa atração pelo que é apenas matéria e, portanto,
descartável e perecível.
Ser consumista significa ostentar onde há
escassez, o que é um problema moral.
O consumismo não é ecológico, pois acelera a
degradação, a exaustão dos recursos naturais.
Quando atacamos a biodiversidade, como estamos
fazendo, estamos subtraindo a vida de espécies importantes para que o
equilíbrio em escala planetária seja possível.
Cada pequena espécie, por mais insignificante
que seja, colabora para que esse equilíbrio exista.
Devemos nos lembrar que, quanto mais atrasado o
espírito, maior sua atração pela matéria e maior a vulnerabilidade aos valores
da sociedade de consumo.
FE – Qual a
responsabilidade do espírita para com o planeta?
Trigueiro – O espírita precisa se dar conta de que, quando o planeta adoece, nosso
projeto evolutivo fica comprometido.
Emmanuel, em O Consolador, diz que o meio ambiente influi no espírito.
Aos espíritas que mantém uma atitude comodista
diante desse cenário,
escorados talvez na premissa determinista de
que tudo se resolverá quando se completar a transição da Terra (de mundo de expiações e de provas para o mundo de regeneração), é bom lembrar do que disse Santo Agostinho, no capítulo III, de O Evangelho
Segundo o Espiritismo.
Ao descrever o mundo de regeneração, Santo
Agostinho afirma que, mesmo livre das paixões desordenadas,
num clima de calma e repouso, a humanidade ainda estará sujeita às vicissitudes
de que não estão isentos senão os seres completamente desmaterializados; há
ainda provas a suportar (...)
e que ‘nesses mundos, o
homem ainda é falível, e o espírito do mal não perdeu, ali,
completamente o seu império.
Não avançar é recuar e se não está firme no
caminho do bem, pode voltar a cair nos mundos de expiação, onde o esperam novas
e terríveis provas’
Ou seja, não há mágica no processo evolutivo:
nós já somos os construtores do mundo de regeneração.
FE – O que deve ser
corrigido?
Trigueiro – Se não corrigirmos o rumo na direção do desenvolvimento sustentável,
prorrogaremos situações de desconforto já amplamente diagnosticadas.
Não é possível esperar a chegada do mundo de
regeneração de braços cruzados.
Até porque, sem os devidos méritos evolutivos,
boa parte de nós deverá retornar a esse mundo pelas portas da reencarnação.
Se ainda quisermos encontrar aqui estoques
razoáveis de água doce, ar puro, terra fértil, menos lixo e um clima estável,
sem os flagelos previstos pela queima crescente de petróleo, gás e carvão que
agravam o efeito estufa, deveremos agir agora, sem perda de tempo.
FE – Como fica o Brasil,
nesse contexto?
Trigueiro – O Brasil é a maior nação espírita do mundo
Segundo Humberto de Campos, seria também o coração do mundo, a pátria do Evangelho.
Mas é efetivamente o país campeão mundial de
água doce, de biodiversidade, com a maior área de solos férteis disponíveis.
Há um patrimônio biodiverso invejável.
Temos uma riqueza que devemos explorar e
respeitar, dentro de uma configuração do que será o mundo.
Temos um trunfo que precisamos saber usar, não
apenas economicamente,
mas eticamente
Conheça mais o trabalho de André Trigueiro
acessando o site
http://terceiromilenioxplanetaterra.blogspot.com.br/2014/10/ecologia-e-espiritismo.html
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