por Márcio Lupion - marcio@kallipolis.org
Depois das várias impressões, do encontro com seres de outras dimensões, realmente a gente não consegue mais perceber o que é a realidade de terceira dimensão, onde nós temos tempo e distância, onde precisamos nos locomover entre as pessoas e os vários cenários.
Agora havia uma mudança de percepção, em que cada cenário é constituído de espaço e sentimento. Em alguns momentos a gente consegue até sentir o anseio das pessoas que nos concebem, o sentimento-raiz: a intenção.
A realidade agora parece uma mescla de estruturas materiais que antigamente não eram percebidas e agora o são: objeto, emoção e sentimento.
O objeto em si parece estar lá parado, imóvel. A emoção é o que faz a gente olhar pra ele e percebê-lo; o sentimento é o que faz a gente cuidá-lo. É como se todos os dias aquela emoção inicial pudesse se repetir, se repetir, se repetir conosco, mantendo um diálogo entre as partes. Esse diálogo funciona exatamente como aquele entre as pessoas, onde cada dia é diferente do outro, havendo sempre algo novo a ser construído.
Em meio a isso tudo, a memória daquele ser de olhos brilhantes e de limpeza incomensurável voltou a ser ativada no dia em que nós voltamos pro Ashram.
Todos os monges preparavam-se alegremente para a festa de Natal e eu subi a escada pro vestiário para colocar minha roupa, quando, ao olhar para a porta, encontrei um convite que dizia: dia 20 de dezembro, todos vocês estão convidados para a festa do Jesus. Havia ainda um desenho, um esboço feito com grafite. O rosto naquele desenho tinha olhos brilhantes, na mesma intensidade do mendigo protagonista de encontros tão marcantes. Olhei para aquilo com forte espanto, quase como um susto, e comentei de forma espontânea com o Mukunda, o monge mais velho, que estava ao meu lado:
- Mukunda, que desenho é esse? Quem fez isso? Quem é esse homem?
Ele olhou, sorriu e respondeu:
Quem fez foi o nosso mestre.
- Pois é... Encontrei um mendigo na rua, exatamente igual! Encontrei-o já duas vezes...
Ao comentar isso, meu corpo sentiu como que uma forte descarga de adrenalina e ficou dormente e foi como se eu tivesse ouvido o que eu mesmo havia falado.
Sentei no vestiário. O Mukunda me olhou com os olhos arregalados e desceu a escada em direção à residência de nosso mestre. Fiquei ali parado, observando aquela imagem e tentando entender por que o meu corpo estava assim, por que o rosto daquele homem estava ali no Ashram. E com uma dedução infantil pensei: será que este homem é o Jesus? Mas nem se parece com o Jesus que a gente encontra em todas as figuras, na verdade parece ser outra pessoa. Mas, por que o meu mestre teria desenhado exatamente igual àquele mendigo?
Tive uma espécie de intenso choro compulsivo; disfarcei, fui ao banheiro e voltei com o rosto lavado. Sentei no meu lugar de monge, o Mukunda sentou à minha esquerda e fizemos a puja. Cantamos, manifestamos nossa devoção e comemos a nossa prashada (o alimento servido no final). Antes de ir embora, ele me chamou lá embaixo numa salinha que era o escritório do Ashram e pediu para eu descrever a cena com o mendigo. Naquele momento eu já sabia que alguma coisa significativa tinha acontecido. No final da descrição eu perguntei:
Mukunda, o que aconteceu de verdade?
- Esse homem que você viu, é um homem que apareceu muito na infância do nosso mestre, ao lado de sua cama. Era como se fosse um visitante. Vinha de tempos em tempos e ficava olhando pra ele.
Na Índia, não tinha como o nosso mestre descrevê-lo, até o dia em que ele conta que, menino, estava passando num lugar sagrado, na frente de milhares de santos da Índia e de repente se deparou com o altar desse Santo. Era uma imagem do Jesus e ele falou para o avô que o acompanhava: "este é o homem que me visita toda noite".
O avô sorriu de forma singela, ele tinha qualidades sensíveis para perceber o que estava acontecendo com a criança e respondeu "você está sendo visitado por um grande ser, pelo próprio filho de Deus".
Essa colocação foi feita lá na Índia, no meio de todas aquelas religiões e de inúmeras possibilidades de perceber Deus. Essa criança guardou isso com ele e quando chegou próximo à idade adulta fez um esboço exatamente do que viu. Aquele era exatamente o rosto daquele homem.
Passou o tempo, passaram semanas, o Natal e o Ano Novo. Em meados de Janeiro sentei para refletir como tudo aquilo acontecera. Como pôde a vibração daquele ser, ou melhor, como pude eu alcançar a capacidade de ver um ser dessa vibração e hierarquia? Não era uma simples clarividência, era uma visita. Fiquei então tentando entender como isso se manifestava e por que não acontecia o dia inteiro com todas as pessoas...
Usando a memória mais uma vez, percebi que as semanas que antecederam a visita daquele ser foram as semanas em que eu mais me preocupara com os outros. Foram semanas em que andava pela rua tirando meu casaco para cobrir as pessoas dormindo na rua. Lembro-me de ter oferecido o tênis para uma pessoa que andava de sandália num dia muito frio. Lembro-me de ter dado todo o dinheiro do bolso e deixado de comer por semanas inteiras; de ter deixado de pegar condução para dar o dinheiro a quem precisava. Foi quando vivi o outro e comecei a entender a importância de se esquecer de si mesmo. Efetivamente, comecei a sentir o outro.
Num desses dias, olhei para o outro lado da rua e vi um cachorro com muita fome e eu percebi a fome dele. Comprei comida, alimentei-o e a fome do cachorro passou, junto com a minha. Foi o momento em que entendi que todos somos um de fato, que realmente todos os sentimentos que passam por nós passam por todos os seres. E são os mesmos sentimentos, independente do espaço-tempo ou em que vida estejamos; é o mesmo sentir.
O ser humano simplesmente quer viver em paz, alimentar-se de forma pura e sensível e encontrar o amor.
A última reflexão sobre esse momento foi que, quando a gente manifesta o amor, o amor incondicional, o amor sem restrições, acredito que todos os seres irão olhar para frente e ver o amor manifesto. Nesse caso, na figura desse homem de limpeza absoluta, de ternura incondicional. Cheguei por fim na frente do meu mestre e perguntei por que isso acontecera. Ele sorriu, olhou no meu olho e falou:
- Satyananda, você está querendo uma resposta ou está querendo conferir uma intuição?
Eu quero conferir uma intuição.
- Filho, os seres humanos vêem aquilo que eles são. Você só conseguiu perceber esse Ser porque você o alcançou. Atingiu um estado de consciência, o estado de vibração em que ele sempre permanece. Esses seres são onipresentes e estão na vida de todos, com corpos, sentimentos, inspirações. Eles sempre estarão lá. Isso é o Amor. O Amor se veste de forma, se veste de uma brisa, se veste de inspiração pra qualquer pessoa que assim o desejar. Se você aprender a viver no amor, a gente estará conversando com Deus, ou com o filho de Deus, o tempo inteiro.
Essa sensação é o espírito sagrado, essa impressão é o espírito santo. Viva assim e, só assim, você conseguirá ser útil para a sua própria vida e pra toda a humanidade. Capítulo 12 |
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